quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Para trás.

João,

Tem tempo, né, João?
Ando assim, meio afastada das coisas. E de você também, porque faz bem a gente não precisar tanto do outro para viver. A vida acontece mesmo assim, não é mesmo? Mesmo com a gente feliz ou triste ou indeciso ou lamentando, a vida segue. Não tem como segurar. Antes eu achava que aquilo de que eu gostava passava a ser meu (nem te contei que de novo me aborreci vendo recitarem Clarice Lispector!) e se fosse meu eu agarraria firme até o fim.

Mas quando eu falava Fim, eu não sabia do que estava falando. Eu achava que não existia essa coisa de acabar. E se era ruim, eu ficava ali porque achava que era mania minha viver pensando em ir embora. Que a grandiosidade estava em permanecer e gostar de permanecer. Mas a gente não precisa ficar, João. A gente pode partir e partir e partir. É só um outro jeito de viver. Tem gente que sofre do contrário. De partir demais. De esquecer demais. Quem tá de um lado quer estar do outro, viu?

(Não te falei que é mesmo tudo inventado?)

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Feminices

Para falar dessas coisas femininas eu me ajeito aqui na cadeira antes. Cruzo as pernas, alinho a coluna e a voz que sai aqui dentro enquanto te escrevo é mais doce. Imagino que para ser feminina é necessária uma postura elegante. E quando penso feminices, é diferente de quando penso no que eu faria se não tivesse tempo para pensar. Ele dizia que eu era uma mulher de atitude. E eu vacilava aí, ficava triste de já ser mulher e não mais menina. Gostava do tempo em que ele me apertava forte e me chamava de pequena. Às vezes nem apertava, mas eu imaginava que ele assim o faria se estivesse por perto. Depois, porque já me sentia grande, vacilava quando não alcançava bem o que era ser mulher. E nos meus afazeres de adulta, queria ser vista assim, já crescida. Eu quero um filho seu, eu dizia. E se o desejo dele cruzava com o meu aí, eu estremecia e completava com "um dia...", deixando a coragem um pouquinho mais pra frente.

Para falar de coisas femininas, eu passei a me importar, sim, com as iniciativas. E passei, sim, a achar que o desejo do homem precisa parecer mais forte. E que a gente pode flutuar ali no meio, como quem por acaso pode ou não ser fisgada. E passei a acreditar que não se deve dizer tudo. Que é necessário um certo mistério nas cousas, como diria o poeta. Que receber flores não é piegas, que certas demoras atiçam a vontade e todo o resto que consta, para quem quiser conferir, no Manual n° 05 de Como ser mulher sem deixar de ser você mesma.

sábado, 9 de outubro de 2010

Camaleoa

"Rapte-me
Me adapte-me
Me capte-me
It's up to me
Coração
Ser querer ser
Merecer ser
Um camaleão..."

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Tempo voar

Você sabe o que é o tempo voar?
O tempo voar é ter feito planos um dia. É um plano desses aparecer de surpresa na memória quando você passa pelo edifício que vocês viram começar a ser construído. É notar que a fachada ficou bonita, como na gravura que ainda está perdida em algum lugar do armário.
O tempo voar é você de repente se assustar com o mês de outubro, que já chegou. E aquela festa, aquela festa, marcada, passou e você nem viu. E aquele colega, que se formou finalmente? E nossa amiga, viu que ela engravidou sem querer? Vai se chamar Maria, a bebezinha dela. Tempo voar é uma ruga nova, que apareceu aqui. É ter enjoado daquela música que a gente ouvia tanto. É ver você com um tênis que eu não conheço, posando em foto bebendo soda limonada, e você nunca gostou de soda limonada.
Tempo voar é você não ter me visto ainda mais loira, mais magra, mais calma. Acho que o tempo voar é a gente ser a gente ainda, mas achar que não é mais. Achar que as coisas mudaram. Tempo voar são as fotos, que continuam aqui na pastinha e eu não tive tempo de guardar. É encontrar uns amigos no bar e não lembrar (de onde é mesmo que a gente os conhece?). Tempo voar é agora você apreciar o que antes depreciava. Como é que as coisas mudam, não mudam? É você mudando de partido assim, sem saber pra quê, e eu continuo fiel à causa...

domingo, 3 de outubro de 2010

De Virgínia Woolf deixada para trás.

Eu imaginei que pudesse ser uma daquelas campanhas em que pedem que você abandone um livro em um local público para que alguém o encontre e leia. Na campanha, sugerem que quem encontrar o livro abandone um outro qualquer para que a coisa tenha continuidade e não termine assim, com um sujeito bem intencionado perdendo um livro por aí. E pode ser em um banco de praça, no ônibus de volta do trabalho, na espera do metrô. Os que aderem costumam deixar bilhetes logo nas primeiras folhas ou marcando uma página em que conste um trecho importante, merecedor de destaque.
Estava lá, edição nova de Virgínia Woolf, capa dura, vermelha. Dentro, com letra de quem escreveu depressa pra não perder a idéia, constava bem bonito um amor. Aquele era um presente. Sem assinatura, ainda assim pude supor que vinha de um homem. Só um homem poderia escrever assim.
Penso nas dedicatórias espalhadas pela minha estante e suspeito de que aquela também havia ficado para trás. Ali, ele dizia que jamais deixaria de amá-la. Que seria o primeiro presente de muitos outros. Que estava feliz por finalmente terem se encontrado. Bom, eu li assim. Acho que ele queria dizer isso. Um pouco mais ou um pouco menos. Você sabe, afinal, como essas coisas são...