terça-feira, 26 de maio de 2015

As minhas meninas III

As minhas meninas agora são cada uma de um jeito. Em comum, uma dorzinha de amor ao fundo, guiando os passos pelos caminhos que em algum ponto se cruzam. Em umas, a dor é recente e densa. Em outras, uma dor que já passou ou um temor de dor futura. As que seguem sós, sedentas por não estarem mais. As que não, uma saudadezinha de saber como é. Uma diversão pura a cada pequena frustração, resgatando o velho hábito de tornar risível o que não precisa ser. Festas, muitas festas. Festas por nada. Comemorando estarmos vivas e só. Comemorando o que não vai bem, porque podia estar pior. Comemorando que se levanta depois do tombo, que lançaram um novo disco, a promoção da cerveja. 
De sexta em sexta a vida vai passando a jato. Nem vejo. Desejando viver mais. Desejando a cada uma das minhas meninas que riam. Que riam da desgraça, que riam de felicidade. Que tenham sempre mais motivos para comemorar. Que as dores sejam cada vez menores. Que não venham mais dores. Que venham outros amores, outras amigas. Que as antigas voltem. Que as de sempre fiquem. Que a vida seja diferente. Que nada mude. Desejando desejar.   

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Som

Do sétimo andar vem uma risada incontida. Uma voz feminina diz uma amenidade qualquer e ele explode numa gargalhada. Não sei se é deboche, não parece. Acho que consente com a graça. Talvez um chiste, talvez uma memória da noite anterior, talvez ambos. Participo da alegria sem querer (querendo). No 404 batem um martelo insistente. Imagino a réplica comprada na Costa Pereira de um artista capixaba que ainda não foi descoberto mas que é sucesso garantido. Quadro grande, muitos pregos pra sustentar. Ou então a derrubada de uma parede que não convém mais. Mais espaço, mais luz. Suponho uma separação. Reformas têm ar de renovação. O quarto do bebê ficando pronto, um cano estourado sem querer na hora de pendurar o porta-toalha. Da rua, uma buzina apressada me faz lembrar que a semana começou. Um estresse logo cedo, a noite mal dormida, a pressa, os tempos. Tudo junto. Ou seria uma gentileza, um aviso de pode passar, fique à vontade. Ou então quem sabe ela tenha visto um conhecido logo ali, atravessando, e não quis deixar passar sem um oi. Combinou aquele café pro fim do dia, da semana, quando der! Me liga! E ele concordou por educação ou então se viu sem reação porque era uma vontade antiga e que parecia tão improvável...