quarta-feira, 10 de maio de 2017

Do bom de dima

são 20:36 e o dia foi longo. Comecei cedo, pouco antes de acordar, quando sonhei com Dima e nossa infância. Sonho curto, mas bastou para me lembrar de como eu era rígida já naqueles tempos e de como não me perdoava. Nunca perdoei. E nem era ocasião de pecado nem falta grave, que se perdoa ou não se perdoa, eram essas coisas... da gente com a gente mesmo. Teve uma vez que, toda duvidosa, enfrentei Deus e pedi sinal, se tava ouvindo ou não tava. Se nunca fez, não faça. De resposta, foram três pontos no queixo, sangue pingando na blusa. Puta sacanagem. Não podia ser estrela cadente, telefonema de parente distante, encontrar moeda no chão? Desacreditei ali. Cruel desse jeito, nem merece reza...
Depois de lembrar de Dima, quis saber dela e soube. Casou, viu? Tá feliz. Acho. E estou te contando isso que é pra gente ter esperança, não de casar, que isso é bobagem e você, que casou, sabe melhor do que eu. É esperança de ter incertezas. Dima tinha tudo pra ser o que eu achei que ela seria, e não foi. Coisa boa é errar quando se acha o ruim. Quando se acha o bom, aí é ótimo acertar. Faz que nem se fosse um plano que deu certo... ou festeja a surpresa e pronto. Quando se acha o bom, é assim. Mas nem sempre dá. 
Eu era rígida e ainda nem era gente, e agora que sou mais gente do que antes, tá duro. Muito duro. Te disse, nunca perdoei. E mesmo agora, falando de Dima e de como eu achava o ruim pra ela, já estou eu não me perdoando de novo. Por que é que ela fazia aquelas coisas, de parecer que não ia ser feliz nunca? Eu, heim. Aprendi com Dima a ter incertezas. Estou aprendendo. Acho.
Ter incertezas não é pra qualquer um. Ter incertezas não é como essa gente faz, quando se faz de humilde, de falar que não sabe porque acha bonito é não saber. Ter incertezas é, no fundo da alma, acordar depois de sonhar com Dima, saber que ela foi o bom, e não o ruim que você achou, e continuar achando sobre as coisas. Incerteza é isso. É poder acordar e descobrir e continuar achando.
E não acaba nunca.

terça-feira, 9 de maio de 2017

Do asco

E o que é que temos feito de nós?
 
Vou te contar sobre a podridão do mundo e seus cheiros, deixar surgir o asqueroso e vil, o inoportuno e nosso. Recitar estrofes dissonantes, com voz estridente e fazer ouvir o que nem quem a-quem-se-paga-para-ouvir quer: o submundo dos prazeres que doem. A carne fraca que não goza. O sujo, o limitado, o pouco. Pouco demais. 
 
Vamos falar sobre as manhãs de ressaca, não depois das noites festivas, mas do sono roubado pela angústia pura. Da taquicardia sem nome. Do indizível. Vamos ficar às voltas com ele por horas e horas. 
 
Se for possível, vamos confessar o inconfessável, o superegoico, o segredo das nossas humanidades. Se for possível, vamos também nos reconhecer nelas. Vamos nos encontrar inteiros na pequenez do dia a dia miúdo e inútil do outro, ocupado demais em existir e só. 
 
Vamos gritar essas coisas que ignoramos na ousadia de viver as nossas bobagens mais banais. Pensar na morte das flores quando arrancadas do chão para compor buquês. Pensar na injustiça, nas prisões (que são dentro da gente), na sujeira por debaixo dos pés. 
 
Falar disso. Para não precisar mais.