sexta-feira, 29 de março de 2013

do cóccix até o pescoço

Agora vou dizer alto que é para que fique claro.

Que eu estava confortável onde estava e o que faltava era o que falta pra todo mundo, coisa concreta, de cimento e tijolo. Já não achava mais que as coisas precisassem ser grandes e surpreendentes. Uma novidade a cada quinze dias e coragem pra acordar. Estava tudo ali.Que os amores eram coisas que a gente inventava pra se distrair dessa loucura que é a falta de tempo e que a solidão já não doía mais.Que novas cidades, de língua desconhecida, boas companhias eram suficientes para aguentar todo o resto.

 

Que fique claro que o amor continua inventado e que é inteiro uma ilusão. Que, apesar de iludido, vem assim despretensioso e se aloja como quem veio pra ficar. (Mas o amor nunca vem pra ficar). Que no início vai e vai e flui como se fosse o que sabe fazer. E de repente algo desanda, um desencontro sem fim, um ciúme que dói nos cotovelos, na raiz dos cabelos, gela a sola dos pés. Dói da flor da pele ao pó do osso. Rói do cóccix até o pescoço. E fim.


terça-feira, 19 de março de 2013

Estou pensando alto que é pra não precisar dizer.

Que no meio de tanta chuva tinha um café forte e quente e uma piada pronta, besta que só, me fazendo rir. E eu queria tanto rir, que pouco importavam os clichês e a falta de graça. Eu, que nem tenho tanto o costume de beber café e, de repente, um capuccino no fim do dia.

Que no meio da piada pronta tinha essa vontade de rir, que é nova, também a vontade de que seja tudo assim como está e o desejo de que a graça não se perca nunca, nunca, nunca. 

Que no meio do costume de beber café, a tarde. 

E que no meio da tarde, como se fosse noite, uma lembrança passando por aqui como se fosse convidada e posta pra fora aos pontapés, inconveniente. Um jeito de embolar os dedos nos meus cabelos, como não se via há anos e de dizer umas coisas e fazer umas perguntas para as quais não há resposta. 

Ainda no meio das perguntas, mais perguntas.


terça-feira, 12 de março de 2013

O ciúme

"4. Como ciumento sofro quatro vezes: porque sou ciumento, porque me reprovo de sê-lo, porque temo que meu ciúme machuque o outro, porque me deixo dominar por uma banalidade: sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum. "

In Fragmentos de um discurso amoroso. Roland Barthes.

sábado, 2 de março de 2013

Acabou chorare

Judith,

Vinha andando distraída pela avenida rio branco, ou perdida no triângulo das bermudas, ou tanto faz, quando, por estar distraída, baixei a guarda, a razão e um pouco o decote. Baixei também a sobriedade com uma stella artois gelada, o que deu um pouco de coragem pra tentar o red lips da revista e um delineador difícil pra burro de acertar. Ando assim, viu, cheia de feminices. Uma vaidade meio desajeitada, uma pose divertida, uma língua que não cabe na boca - escancarando uns furos logo de cara -, só pra mostrar que vai ser assim desde sempre. Acabou o tempo de tapar buracos.

Quando acordo, logo cedo, e vejo o sol ainda baixo apontando no horizonte (e é mesmo assim que nasce o dia), mesmo na pressa, da janela do carro, não dá pra deixar de achar promissor. Ver o sol nascer é um grande privilégio. Lá pelo meio da manhã uma surpresa dessas bem pequenas e deliciosas me agita o peito. Se fosse Deus, ordenava que todo ser humano deveria, por mandamento, ser surpreendido uma ou duas vezes por dia. Nem Deus sabe como a vida seria mais bonita se fosse sempre assim. 

Acabou o tempo de fechar-se para as surpresas. Acabou o tédio. Acabou chorare, ficou tudo lindo.