quinta-feira, 26 de maio de 2011

Flor de quaresma

Judith,

Já eu tenho ficado muito irritada com essa coisa de ver minha parte nas coisas escabrosas do destino. Minha parte é uma parte grande. Minha parte é quase tudo (ou sou eu que vejo assim). Sabe que me cansei de ouvir, quis ensurdecer e ensurdeci? Um perigo! Tenho medo do meu querer também. Acho que meu querer é forte.

Sinto saudade de quando a gente podia se perdoar mais. De quando a gente se permitia uns deslizes grandes e se permitia colocar a culpa todinha no outro. Ai, que saudade de a culpa ser do outro, Judith. Agora deu pra ser tudo eu, tudo eu, tudo eu.

Você não acha, querida, que a vida poderia ser mais simples?

Lembre-se: em caso de dor, flor-de-quaresma lhe socorre.

Um beijo,
Maria.

sábado, 21 de maio de 2011

Why

Ele agora vem calmo, como se viesse sempre. Me inventa um novo apelido, acrescenta letras ao meu nome, faz um jogo fonético aqui, um jogo fenomenológico ali, e eu me pergunto why. Quem sou eu nesse novo nome? Quando me chama, quase não me reconheço ali mas atendo. Por que atendo?

Digo a ele que bote as letras, invente o apelido, desfigure meu nome todo. Embaralhe o som, sussurre as sílabas, coma as consoantes. Tanto faz. O nome dele não muda nunca.

domingo, 15 de maio de 2011

Every little thing

Ela era feita disso. De um senhor de idade que dizia que sabia que tinha um dom, uma cigana que olhava nos olhos e sentenciava que se casaria três vezes e jamais seria fiel, um rapaz que ensinava que não se deve recusar o amor de alguém, uma amiga que marcava suas ausências, uma irmã que ensinava a ler, um cachorro que pedia colo, um dia em que tudo mudou, uma música que nunca mais tocou, uma tristeza que fazia chorar, uma foto que fazia rir, uma carta que nunca enviou, um livro que não terminá de ler, uma pessoa que ainda vai conhecer, uma vergonha que ainda vai passar, uma raiva que ainda teima em sentir, uma frustração que tira do sério, um tédio.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Isso aí

Ela me sonha um sonho apressado. Vem cheia de coisas, falante (nunca fala tanto assim). Eu digo a ela que algo de curioso tem me acontecido. Tem me acontecido de não querer dizer. Tem me acontecido de achar a vida isso aí...

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Muito pouco é um pouco demais

Ele chega assustado mas disfarça. Eu, que me deito em seu peito, descubro a agitação mas não conto. Temos uma ética aí. Enquanto passeia as mãos nos meus cabelos, ele diz como as coisas mudaram, como a gente cresce na dor, como é possível que seja suficiente ter tentado pouco. Pouco sou eu que digo. Sempre acho pouco, ele sabe. Sempre poderia mais um pouco, é o problema.

Digo a ele que mais um pouco é pouco demais.
Digo a ele que quero tudo muito.

(Mas pode ser que seja mentira).