sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Chão

Enquanto me preparava para te escrever começou a tocar De Qualquer Maneira, mandando cantar com os olhos rasos d’água, com o sorriso na boca, com o peito cheio de mágoa ou sendo a mágoa tão pouca. Candeia deve saber o que diz, mas eu pessoalmente acho (porque é sempre pessoalmente que se acha coisas) que até quem é bamba bambeia. Na história de Ícaro, é interessante que sua proximidade com o sol seja notada, mas não podemos ignorar o fato de que ele pensou alto demais, foi alto demais e tombou por pura desobediência. Supondo que asas de cera fossem como as dos pássaros, fantasiou voar e não ouviu os avisos para que não fosse longe demais. A arrogância do rapaz deixa para nós uma lição: cautela. Se não nos foi concedido o poder de voar e se não nos foi concedido um sobressalto cheio de penas nas costas, é porque pés no chão têm lá a sua razão.
A coragem dos homens é coisa fajuta. Jogar tudo para o alto parece uma grande iniciativa e uma ânsia de viver tudo, viver muito, viver mais. Entretanto, muitas e muitas vezes não passa de medo de permanecer. Permanecer é muito difícil. O desejo exige que seja reafirmado todos os dias. Sustentar o desejo, sustentar as relações, sustentar a casa, sustentar o corpo de pé. É preciso que se diga sim todos os dias.
É claro que há momentos em que partir é o melhor a ser feito. Mas não por medo de ficar. Nunca por medo de ficar. Partir porque todas as alternativas foram esgotadas e porque todos os esforços foram vãos.
Você sabe discernir uma coisa de outra?
Suponho que seja o grande desafio da vida.