domingo, 9 de outubro de 2016

Quereres

Enquanto nina Luísa pela sala, Paula entoa baixinho um meu chapéu tem três pontas, três pontas tem o meu chapéu, vacilante em relação ao número de pontas, é verdade, mas com uma doçura maternal já conhecida por nós. Naquela canção, estou em casa. 
 
A voz de mamãe surge nas nossas memórias e enche a sala, preenche tudo. A melodia acalenta Luísa num instante - voz de sereia, mas não só nela o efeito maternante se dá. Estamos as duas, as três, seguras, numa história de cuidado e cheia de afetos que faz de Paula, agora, uma mãe que sabe aninhar um filho em seus braços, faz de mim (por enquanto) uma mulher que sabe a importância deste canto e empresta a voz, os ouvidos a quem deles precisa, numa função que, neste caso, não é materna, mas de um terceiro acolhedor. Ali, no só-depois, todas as escolhas fazem sentido, como se fosse possível dizer que nascemos para isso, ou para aquilo.
 
Tenho me aprofundado nas teorias que falam de amor, porque descobri que o amor pode tudo, até ser estudado. Que dos laços com o Outro a gente é feito e sem eles a gente se perde da gente, quando não morre. Que o corpo da gente tem mil palavras por todo canto, e eu grifei o resumo delas em tinta preta, letra de mão, pra nunca me esquecer. Quereres. Plurais, muitos, pequenos ou gigantes, tanto faz. Quereres, que sempre que leio confundo com Que queres?, o que não é à toa. 
 
A gente não sabe, a gente não sabe. E é por não saber que a gente vive arriscando adivinhar, a gente vive arriscando, a gente vive.