quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Bavardage

"A palavra falada é irreversível, tal é a sua fatalidade. Não se pode retomar o que foi dito, a não ser que se aumente: corrigir é, nesse caso, estranhamente, acrescentar. Ao falar, não posso usar borracha, apagar, anular, tudo o que posso fazer é dizer "anulo, apago, retifico", ou seja, falar mais. "

Roland Barthes,
O Rumor da Língua

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Verão de novo

Fazia um calor daqueles de fritar ovo em asfalto. Enquanto caminhava na areia, sentia o vapor quente subir pelas canelas, confirmando o verão. Cheiro era de mar (e, bem de longe, um milho verde no ponto, com manteiga e tudo). Parecia até um ano atrás, porque as personagens eram as mesmas. A praia era a mesma. O calor, acho que também. Mas alguma coisa ali tinha mudado. Um ano mais velhos, um ano mais conhecidos, um ano a mais de tudo. Há um ano, sim, tinha um encantamento naquilo tudo. Agora era a sensação de que a paixão também envelhece. E morre.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Quase

Hoje eu estava quase feliz e quase peguei o telefone pra te ligar. Quase liguei. Ia dizer que a vida era boa e que ainda guarda muitas surpresas. Ia contar que por dois números quase ganhei na loteria e que quase ficar rico já dá uma satisfação daquelas. Fui lendo os números na cartela enquanto o moço cantava as pedras e quase festejei! Imagina! Fiquei por duas! Quase fiz planos de viajar pra longe com esse dinheiro todo e te dar uma casa nova e doar um tanto pros pobres. Quase que os pobres ganharam dinheiro e roupa nova, mas eles nem sabem.

Nessas horas de expectativa a gente quase vira filósofo. Pensa um monte de coisa. Quase achei que a vida era divertida por causa dessas coisas, mas passando o susto as coisas e a vida vão voltando ao normal.

Mas foi quase.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Nota sobre o inesperado n.7

O trânsito parava a cidade, por excesso de chuva e de buracos e de maus motoristas e de obras da prefeitura. Tudo irritava: o senhor do carro ao lado ouvindo música de pior qualidade, o motociclista quase arranhando minha lateral, o atraso e o acúmulo de tarefas em consequência do atraso.

Então, porque há necessidades que falam mais alto e também porque parecia que a chuva tinha dado uma trégua, o rapaz resolveu passear com o cachorro. Este, empacado, recusando-se a molhar as patas, fez com que o dono começasse um longo diálogo - que eu daria tudo pra ter ouvido.