segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Das direções

Um louco aponta pro céu e diz que a voz que vem de lá guia seus passos. Nada incomum até aí. São muitos. Trovões são Deus esbravejando. Raios, sua ira apontada pro chão. Se chove, é choro incontido. O sol, bom, sol é a gente se sentindo especial demais. O que faz com que seja louco, diagnosticadamente louco, é o fato de não duvidar, nunca duvidar das vozes que escuta. Uma certeza desconcertante - para nós, que desconfiamos de tudo.
Você sugere que eu escolha o caminho, mas está difícil decidir. Pela esquerda, pela direita, pelo de sempre, nunca sei onde vai dar e, no entanto, nunca é uma grande surpresa. Queria rua nova, calçada larga, folhas de outono espalhadas no chão. Sigo em frente, é o que sei. Carrego as garras afiadas, mas não uso. Os amigos dos quais me despeço na curva e os quais reencontro no café da esquina. Os segredos de amor, tão bem guardados que nem sei onde estão. Minha nudez, escancarando marcas: cicatrizes de lutas passadas, as pintas dos meus antepassados, a postura de cansaço, o bronzeado da caminhada de ontem, as unhas roídas de nervoso, as olheiras depois daquele sonho ruim, o hematoma daquela topada na quina da mesa de quando saí apressada para aquele compromisso importantíssimo do qual nem me lembro mais. Os dentes cravados no meu ombro desde aquela noite que faz é tempo.
Eu sigo em frente, acho. Se depois da ponte for uma cidade a ser descoberta, se estiver andando em círculos, se na praça agora vendem churros, se taparam alguns buracos e podemos pedalar, se você estará lá. Se virando a esquina der de cara com um amor das antigas ou com aquele desgosto, não sei.
Vamos ver. Não dá pra parar.