sábado, 30 de junho de 2012

As bailarinas de Degas não esperam

Pode ser que eu esteja falando cedo demais, mas eu duvido que as bailarinas de Degas esperassem tanto. Aposto que com elas era diferente e que quando entravam no palco, nem saltitavam tanto porque naquela época o Bolshoi já tinha revolucionando a arte do dançar e todos sabiam que um bom balé se faz com delicadeza. 
Eu suponho que no fim do primeiro ato as bailarinas de Degas já contavam com flores espalhadas por todo o camarim. E sabiam que seriam esperadas em todas as portas do teatro e dos pequenos anfiteatros e nos fundos dos calabouços e inferninhos da época. Não por serem bailarinas, simplesmente. Mas porque tinham uma beleza inesperada e porque enquanto dançavam não olhavam para os lados. Rodopiavam quando a melodia ficava mais intensa e fingiam que não estavam sendo vistas.
E fingir que não eram vistas era tudo o que deviam fazer para que a platéia inteira, mulheres, homens, senhores acompanhados e crianças de colo, todos olhassem mais e mais e mais, tentando flagrar uma bailarina distraída que voltasse seus olhos para os olhos de alguém e sorrisse sem querer ou errasse o passo por descuido e desatenção.


domingo, 24 de junho de 2012

Uns dizem fim, uns dizem sim.

O terceiro que chegou, como quem chega do nada, não sabe meu nome direito, não fala coisa com coisa, entona a sílaba errada de cada palavra, atravessa a madrugada com uma pergunta fora de hora e me tira um sorriso sem eu perceber. E pra além do sorriso, me tira um pouco aquele rumo de sempre e eu faço diferente dizendo que não. Eu faço,dizendo que não. Eu digo não, mas é sim sim sim e todo mundo sabe. Eu não tento mentir. (Mentira). E se nos ocorre olhar pela janela, vemos o dia amanhecer e a vida acontecer e parece banal.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Vermelho

Nem todo vermelho é de sangue.
E eu digo porque sei. E eu sei porque vi outro dia o vermelho nos cachos de uma moça que flutuava ao andar. Arrastava um balanço despercebido e pensava em tantos outros tons que não viu que do lado dela o senhor de paletó fez que ia atravessar quando o sinal ficou vermelho para ele e verde para os outros. Recuou depressa, meio trôpego, risonho e envergonhado - porque o recuo pareceu-lhe, por um instante, uma espécie de dança.
Mais à frente, o cachorro botava a cabeça para fora da janela e o vento balançava-lhe as orelhas. Abria a boca de um jeito que mais parecia um sorriso. E,virando a esquina, o vendedor de guarda-chuvas gorava o sol com suas superofertas. A precavida senhora de vestido florido comprou a sombrinha mais colorida e fez de bengala porque não cabia na bolsa.Os cachos vermelhos desbotavam de tempos e tempos e eram reafirmados, revivos com a tinta de sempre, misturada com um pouquinho da outra para melhorar o brilho e creme, creme de pentear.