segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Beira de mar

A lenda diz que o canto doce das sereias tinha como objetivo afundar navios. Odisseu conseguiu safar-se porque colocou cera nos ouvidos dos seus marinheiros e amarrou-se ao mastro, para poder ouvi-las sem grandes perigos. A lenda diz ainda que sereias são vencidas por quem canta ainda mais docemente - veja como são essas mulheres. A sedução e o arrastar consentido para o fundo do mar nada têm a ver com o amor. A vítima não pode, como ela, respirar debaixo d’água, e morre. Não me parece justo.
Eu não sei cantar e quero o outro vivo, vivo, muito vivo. Disso eu tenho certeza. Meu convite é para andarmos descalços na beira do mar, surpreendidos vez ou outra por uma onda que não vimos chegar porque a conversa estava boa. Água salgada molhando as pernas e a roupa e molhando tudo e a gente não se importando. Que a atenção não seja só minha, que repare no cardume que veio pro raso e queira que eu descubra também. E que me pegue olhando pro horizonte e fique tentado a ir até lá comigo, a nado. A gente, que precisa de ar pra viver, pode ir pra longe, e não pro fundo! Longe, sem saber o que tem depois. Se um dia se chega no horizonte e se depois da linha tem é mais mar. Se o mar (amar) acaba um dia. Se no meio do caminho vem um rio atravessando e adoçando as coisas. Se não. Se um banco de areia ajuda a descansar as pernas e tomar fôlego. Se, para não nos afogarmos, vamos precisar deixar a maré levar.
Ensinamentos de mar são importantes. Dizem que se você não estiver preparado para salvar alguém, que a tentativa mata. Mata você, mata os dois. Um empurra o outro pra baixo, um horror. Um horror. E aí não valem mais nem as boas intenções. Não vale a pena.
Quem vem pra beira do mar, no mínimo molha os pés. Não dá pra sair ileso.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Voo livre

Na arte de perder não há superespecialistas. Alguém que se diz expert geralmente faz uma referência à quantidade de perdas que sofreu, achando, por isso, que entende da coisa. Não consigo acreditar que por repetição fique mais fácil. Ao contrário, a cada perda o que se renova é o pavor de novas perdas e, sei bem, às vezes é possível até que se evite ganhar para não correr riscos. Para correr riscos, aliás, são necessárias habilidade e coragem - na ausência de uma, a outra precisa ser um tanto maior.
Ultimamente tenho feito parte do grupo daqueles que evitam certos riscos. Entre um pássaro na mão ou dois voando, crio versos enaltecendo a liberdade e o voo livre e defendo até o fim que fiquem todos soltos, que voem para onde quiserem, que é preciso respeitar o desejo inclusive dos pássaros e, por fim, que voltarão espontaneamente caso queiram. (Torcendo para que queiram). Ao contrário do que você pode pensar, não é mais fácil assim. Falando em perdas, deixando os pássaros todos soltos a gente também perde a chance de que o que ficou, no início por costume ou medo de partir, passe a gostar de permanecer aqui, aquecido, seguro e espiando entre os dedos. Imagine que certas espécies de pássaros dizem por aí que se você não segura firme com as duas mãos é porque você não quer tanto assim, e que não exigir que fiquem é como pedir para que vão embora. Difícil. Não há mesmo um manual para os encontros.
Nem sei do que estou falando.
Diga você, que aprendeu a mergulhar, se é de cabeça que se vai mais fundo.