quarta-feira, 27 de abril de 2011

Tatuagem

Tatuo uma frase de Quereres na palma da mão. A palavra circula no sangue enquanto a agulha preenche minha pele com tinta preta. Onde não queres nada, nada falta: releio mil vezes, cantante. Quem escreve estes quereres em mim?

Preenchidas todas as letras, já não sei mais o que quer dizer nada faltar. Não sei mais o que quer dizer nada querer. Esfrego a palma da mão na roupa, pra ver se me livro dessas palavras. Penso em H.Hilst.

Abro a mão e lá está: tu não te moves de ti.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Nós

Uso uma flor no cabelo como se fosse verão, talvez até como se fosse 2007. No tornozelo se enrosca uma fita em que dei três nós e com eles amarrei três desejos. Quais são, não posso dizer - ou não se realizam. Ao fundo tem uma música quase conhecida. Parece Chet Baker (ou seria Billie Holiday?). Tanto faz. Dentro do carro faz calor, mas ali está bom. Um vizinho nos olha, acho que quer (também) ver o que acontece. Jamais saberá (nem você e nem eu).

Desfaço um dos nós.
O nós se desfaz.

Como poderia ser diferente?

terça-feira, 19 de abril de 2011

Libertango

Você sabe, Maria, que a gente diz que não sabe dançar para não entrar no ritmo? Que em segredo a gente ensaia uns passos pra quando o carnaval chegar e jura que dessa vez é de samba, como um samba do grande amor ou um samba de adeus ou um samba da volta.

Você sabe, Maria, que a gente descompassa um pouquinho porque a vida é assim, meio descompassada mesmo? Que é quando a gente vacila que abre espaço pra virada? Quem tem música de dançar a dois e gente que faz lindos monólogos com os pés?

Eu danço libertango, Maria. Daqui pra frente, Libertango.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Do valor das coisas

Judith,

Que grande coincidência foi ler sua carta hoje! Passei a semana pensando em como algumas coisas que eram inimagináveis por mim em tempos assim, em que seu pai fumava e amarelava em fotos, foram se dando como se eu nunca tivesse me esforçado tanto para que fossem como são. Naquele tempo eram planos para o futuro. Mais pra frente, tinham sido sonho de criança. E quando eu os vi aqui, realizados, me assustei! Imagine! Como é que a gente conduz a vida enquanto tem mania de achar que é conduzida por ela, não é mesmo?

Você paga mais caro porque quer, Judith. Quantas vezes terei que dizer?
Acho que podemos dar valor às coisas que não nos custam tanto assim.
E você pode acreditar em mim porque eu não minto para meus queridos:
você age tanto, Judith...

Maria.

domingo, 10 de abril de 2011

Enxurrada seca

Novo José.

Agora já não tem mais rodopios na Vinícius de Moraes nem fantasia nem aventura.
José é mais um, entre tantos. Uma dor de amor ali, uma pressa em viver qualquer coisa aqui. Não sabe mais tão bem assim o que quer. Talvez diga aos amigos que a vida anda agitada. Talvez não diga nada e guarde para quando não tiver o que contar. José perdeu a esperança nas pessoas. Vai levar a vida empurrada, sem grandes planos, sem grandes sonhos.

Eu também não disse nada. Quem diria?
Empurro José com a barriga para ter o que viver.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Roda viva

Tem dias que a gente se sente
como quem partiu ou morreu.
A gente estancou de repente
ou foi o mundo então que cresceu?

domingo, 3 de abril de 2011

Avisa-dor

Fica nessa de ser avisa-dor, mas não se faz bom entende-dor.
Já expliquei que não quero mais essa história de sabe-dor.
Eu sou é fala-dor...

(e é só pra ver se me transformo em engana-dor)