sábado, 12 de novembro de 2016

Presságios

Minha mãe sempre diz que é possível saber quando vai chover pelo vapor dos alimentos quando saídos do forno para a mesa. Eu chamava isso de presságio, mas não é bem um presságio, são os pequeníssimos sinais que antecedem as coisas. Basta ter olhos para ver. 

Sinais, como quando assisti ao Amélie Poulain pela primeira vez e amei, quis que João assistisse, mas antes que ela encontrasse a caixinha no esconderijo, ele dormiu. Ou então quando durante uma conversa José falava dos pretos e baixou o tom de voz para falar pretos. Antes que ele terminasse de falar, eu percebi que seu tom de pretos não era como o de dona Canô falando de Gil a Caetano ~ venha ver aquele preto que você gosta ~ e, além disso, percebi que não conseguiria fingir que não ouvi e levar a vida ao lado de alguém que não goste de pretos e, principalmente, que tenha a cor da pele como critério para gostar ou não gostar de alguém. 

Sinais, como a minha taquicardia pela manhã quando estou me permitindo amar e nem tinha percebido. (Neste caso, acabo achando que é sinal de que deu a hora de fugir, mas um dia isso muda - é o que o Paulo diz). 

Da última vez, você convocou os ares de decisão (ou tudo ou nada) e mesmo para mim ainda é enigmática a razão pela qual embarquei e saí decidindo coisas. Enquanto espelho, o olhar do outro é um perigo. Basta um deslocamento e a gente já não se reconhece mais. A imagem se quebra, é estilhaço na estrada: não é nada, não é nada.

Diante dos últimos acontecimentos a escrita ficou em suspenso e não saía nada. Mas segui seu conselho, vim falar da prosa dos dias, da concretude da vida, pegar o peso do mundo e fazer dele peso pra papel-onde escrevo estas palavras.