quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Do buraco

Havia um buraco e só. Tentei treze mil novecentas e setenta vezes encontrar alguma coisinha de nada que pudesse esconder o furo. Não pra sempre, porque disseram que a função do buraco é estar aberto, mas por uns instantes, sabe como? Até que a música, a viagem, o amor, acabassem. Mas não tinha jeito. O buraco estava ali, e eu, no buraco sem fundo, poço de mim, chata toda vida, descontente toda vida, esperando um milagre (ou um doce) que trouxesse aquela felicidade de quando não se tem muito no que pensar.

Foi então que me disseram que podia tentar bordear o buraco, falar dele, coisa e tal. Monotemática fiquei. Falar de buraco, veja bem, dá a impressão de que vai se esburacar o outro, o mundo, a própria palavra.

Eu queria palavra cheia, mundo maciço, outro intacto. Parei de falar um pouquinho, deixei o buraco (e a palavra e o mundo e o outro, quem sabe) me levar, fingi que dá.

Acho que finjo bem.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Me(i)a Culpa

José,

Não adianta vir se for pra vir com essa desesperança toda. Aviso logo que de dor assim eu enchi um álbum e nem por isso fechei o peito nem maldisse a vida nem me tranquei a sete chaves pra não ver lá fora.

Se é pra dizer que não sirvo, também pode botar a palavra de volta pra dentro que não faço questão de saber. Deixa eu pensar que é trabalho demais, doença na família, que são as conexões, veja bem, que é mais desculpa e só.

Se vier, José, venha por inteiro e pronto e querente e bote fé que a coisa vai. Se vier, venha dizendo que é pra sempre, que é tudo, que é mais.

Porque se depois não for, José, meia culpa pra mim, meia culpa pra você e pronto.
Ponto final.

domingo, 11 de setembro de 2011

Procura II

Sonhos de procura.
Toda noite saio a procurar. Virou moda. Ando, ando, ando e não encontro. O que é que se busca, que está perdido assim, meudeus? Seria eu?

Estaciono no bairro da infância (como poderia ser diferente?) e não encontro mais onde estacionei. Ando pelas ruas, vejo conhecidos e eles não podem ajudar. Fico presa ali. Voilá.

Emendo um sonho no outro e acho você.

Não fazem mais sono como antigamente...



quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Procura

Maria,

Acordei de um sonho apressado. Acordei, aliás, apressada também. Foi uma procura sem fim pela árvore da vida. Que seria ela, meudeus? Um desenho de Klimt e mais o quê? Tento associar livremente pra ver o que sai. Somos mesmo livres ao associar?

Tenho pensado, Maria, que a vida é essa procura pelo nãoseioque que se viveu. E que nos repetimos tanto para que nesse de novo contínuo esteja tudo ali novamente. Não está mais. Tenho pensado que em certo momento a vida fica meio óbvia - e as pessoas - e que as distrações é que nos dão direito ao susto.

Quero a surpresa de um seio à mostra num quadro de El Bosco.
Seria surpresa, seria?