segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Breve

Elis chegará em breve e as pessoas me avisam insistentemente que será uma fase de abdicações e alegrias. Muitas abdicações. Às vezes, ao que parece, bordeadas pelas alegrias. Ou o contrário, ainda não entendi. Dizem que não dormirei, que meu tempo será o tempo dela, que nunca mais romance, nunca mais cinema, nunca mais drink no dancing… as pessoas não se cansam de me contar sobre seus cansaços. Eu tiro de letra, digo que nasci cansada e já me deixei cansar por cada coisa, que Elis pode me surpreender com uma energia nova. Foram muitas noites de sono perdidas em festas ruins para me queixar de ninar Elis até de manhã. Que vai valer a pena. Que criar gente é mesmo trabalhoso, mas que já me dediquei a muitas pessoas que mal conheci, emprestando tempo e corpo. Que tenho dado espaço para as ambivalências e elas me dão indícios do que não posso abrir mão para conseguir estar ali, inteira. Ou quase inteira, pelo menos. Acho que para as alegrias pensam não haver preparo. Ninguém está preparado para as alegrias.

Elis nascerá em muito breve, no ano em que não houve carnaval. Todos os dias o pessimismo com o caminhar das coisas toma a casa logo pela manhã, lendo as notícias, e nos esforçamos para retomar o fôlego. Uma pandemia atravessando a gestação, a distância cruel e necessária dos mais queridos. Sem abraços, a barriga cresceu dimensionada pelas telas, em chamadas de vídeo. O álbum de fotos tem um mesmo cenário, a sala de casa. É bom estar em casa, com saúde. São tempos em que estar em casa com saúde é um grande privilégio e eu não me esqueço disso. Ouvimos música de protesto em protesto. Você não acha que tá faltando protestar mais? Leio livros seguidos de livros, haja literatura pra me tirar daqui um pouco. E me ajudar a ficar um pouco mais. Caprichamos no café da manhã, tudo cheio de proteína pra fazer essa criança crescer, e no fim de semana aproveito de verdade o bolo com o doce de leite vindo lá das Minas Gerais que minha mãe inventou. Me culpo e me desculpo por tanto açúcar numa fatia só. Haja! Não dá pra passar por isso sem adoçar as coisas.

Eu espero para Elis uma vida doce. Que dessa maré em que ela nasce seja possível ver com mais clareza o que nessa vida importa. Que a gente consiga transmitir leveza mas também dar o peso que as coisas têm. Alternadamente, construindo recursos.

Com calma. Com alma.