quinta-feira, 29 de julho de 2010

De ouvido

Ela me contou que acordou meio afobada porque tinha sonhado que o anel que tinha no dedo estava frouxo.

Ele era frouxo!, ela gritou, atônita.

E eu ouvi.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

As minhas meninas

"Me responde por favor
pra que tudo começou
quando tudo acaba..."

É mais ou menos como em Almanaque que acontecem as nossas conversas. As minhas meninas chegam, umas vêm de longe, outras estão por aqui e por ali, e trazem as mais variadas dores. Dores pequenininhas, de intriga passageira, dores grandonas, de perdas imensuráveis. Dores que não se sabem dores. No meio da conversa descobrimos que são dores e pronto. Que a pequenininha fica grande enquanto ela conta, deixando todo mundo com um aperto no peito, e que a grandona vai ficando míuda enquanto ela fala, meio que gozando da tristeza, meio que gozando
a tristeza... E se eu digo que é dor, não é pra fazer da coisa uma coisa dolorida, não. Eu chamo de dor porque não tem nome pra isso. As minhas meninas falam das coisinhas da vida. E falando assim, ficam deste tamaninho (as coisinhas, não as meninas...). Elas contam das desventuras de viver (tinha uma música assim, não tinha?) e dos amores que passaram e dos problemas novos com os novos amores. E falam de mãe e de pai e do resultado do encontro deles. Uma fala do café novo, com aroma de baunilha, a outra fala dos sapatos em promoção e de como compraria um de cada cor, não fosse o fato de ter largado o emprego - que já não dava mais.


Aos pouquinhos, não sei bem se de brincadeira ou se o tom é sério como parece, as minhas meninas e eu vamos inventando um jeito de pensar na vida para tornar a vida um pouco mais tolerável, um pouco mais vivível. Falando assim, parece até que nós não gostamos de viver essa vida. Mas ali, se você ouvisse uma de nossas conversas, perceberia de cara que é justamente o contrário. As minhas meninas e eu achamos, sim, que não há muito sentido nas coisas. E que a vida poderia ser mais simples. E que algumas coisas podem mudar enquanto outras serão sempre assim. Mas os nossos encontros são bonitos pela falta de conclusão das nossas elocubrações. E elocubrar com elas já me deixa o coração palpitante, como se descobrisse o mundo. Nem parece que, fechada a conta do bar (do café, da pizzaria ou da danceteria), as minhas meninas e eu seguimos a vida bem do jeito que pode, do jeito que dá, do jeito que deve ser.

domingo, 18 de julho de 2010

Dindí

Quando ela vem até mim, eu não sei bem o que faz ali. Todos os dias chega assim: não tenho nada de novo a dizer. Então ela conta, e eu quase sei qual será a próxima frase, que seus dias passam como se não passassem. Não que não faça coisas. Ela faz. Mas ao acordar, antes mesmo de abrir os olhos, é sempre um mesmo pensamento. Ela pensa nele. E precisa pensar que ele não está mais ali para poder começar o dia na realidade. Porque se deixar, ela vai fantasiando um catatau de coisas, acrescentando palavras onde é silêncio puro, fingindo ouvir o que não foi dito, e por aí vai.

Ela ouve Bossa Nova e diz que lhe cai muito bem. Pensa em Dindí, que foi embora. Aí fica meio rouca, e eu não estou vendo seu rosto, mas ofereço um lenço porque suponho que é choro preso na garganta. Ela chora meio envergonhada, ela nunca foi de chorar assim na frente das pessoas. Aí faz um silêncio dolorido, como quem vai concluir alguma coisa, suspira e diz que nunca na vida vai entender como é que alguém pode ir embora e, ainda assim, estar ali o tempo todo.


"Se um dia você for embora me leva contigo, Dindí.
Olha, Dindí, fica, Dindí
E as águas desse rio
Onde vão, eu não sei..."

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Nominal

Ciúme:

Todas as outras são mais interessantes, elegantes, engraçadas. Todas as outras têm inteligência suficiente para causar orgulho e até um pouco de insegurança. Todas as outras olham, querem e quase conseguem. Ou conseguem?

domingo, 4 de julho de 2010

Bavardage


Falo pelos cotovelos do que se passa comigo (nota importante: eu ia dizer o que passo comigo) e a cada vez os detalhes são outros e minha memória, pobre rica memória, vai acrescentando humor aos fatos (Diz Thaiz que eu sempre faço isso: ridicularizo o que me acontece). Enfim, minha memória não só acrescenta humor aos fatos, mas retira delicadamente o que acha que não cabe mais dizer. E, variando o humor, muda também o que cabe e não cabe mais. Eu canto também aos quatro ventos que não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar. E assim vou me transformando numa mentirosa convicta.

Acho que sou eu de novo...