terça-feira, 27 de dezembro de 2016

O desejo irrefreável do rei

Veio o golfinho do meio do mar roxo, veio sorrindo pra mim. Apontou o céu com o bico, indicando o sol - ou um perigo (eu não entendi). Um brilho imenso ofusca os olhos, que, fechados, ainda veem. No mar, o silêncio é doce e sua força, ao mesmo tempo, destrói e forma os corais. Soube outro dia que, no Sul da Bahia, tem um coração a sete quilômetros da costa e suponho que seja só na Bahia que essas coisas acontecem. A Bahia tem alguma coisa de indecifrável. A Bahia é Deus sendo vaidoso demais.

Por falar em vaidade, morre-se disto. Foi o que descobri e achei que precisava te contar a verdade. E se você quiser saber mais, consta nos autos (nas bulas, nos dogmas) que, quando não mata, engorda. Vaidade é fúria devorante. Engole o outro, engole a gente, corta a carne, sangra tudo. No início, é desejo irrefreável de rei: segurar o mundo com as mãos, dobrar pequenininho, fazer caber nos bolsos, pintar as beiradas de azul. No fim, o rei está nu. É preciso a coragem dos tolos para dizer.

Os tolos, também no jogo, são os que mostram as cartas em vez de escondê-las. Mas aqueles que dominam a arte do blefe mostram o que, na verdade, não têm. Mostram e não mostram, portanto. E é nisto que estão sempre empenhados. Fico entre o rei e o tolo, half to half – o que não quer dizer absolutamente nada. Sem tática, com tática, é sempre possível perder ou ganhar, é imprevisível.