quinta-feira, 30 de junho de 2011

Diga

Judith,

Deve ser muito pecado fugir um pouquinho da alegria dos outros, não deve? Não querer saber dos amores que dão certo, dos sucessos, dos grandes feitos. Deve ser pecado você querer saber que todo mundo chora de vez em quando sem muito motivo e que todo mundo quer deixar de existir umas duas ou três vezes por dia e se aborrece com pouca coisa e grita com funcionários do supermercado e tropeça mesmo andando descalço e fala bobagem quando devia calar e pede amor de quem não tem pra dar e não penteia o cabelo num dia importante e rói as unhas de nervoso e passa depressa no buraco sem pensar nos pneus e não dá atenção pro cachorro quando chega em casa e não ouve o que a mãe fala porque está com a cabeça cheia.

Pra saber se o outro também é humano e se o outro também dói mês sim, mês sim. E pra saber se o outro também se repete, repete, repete. Se a solidão tá mesmo pra todos, se a miséria tá mesmo dentro da gente, se a esperança demora a morrer...

Diga você.
Um beijo.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Souvenir

Deixo um bilhete no espelho dizendo que vou embora de vez. Digo assim, por escrito e bem pequeno, que é pra você saber e dobrar e guardar na carteira e levar a minha despedida de souvenir, pra não se esquecer de que eu avisei.

(Escrevo pequenininho porque é difícil dizer. Eu enrolo um pouquinho mais, a caneta falha, enrolo um pouquinho mais, o papel molha no cantinho, enrolo um pouquinho mais, a letra não saiu boa.)

Você vê o bilhete de longe, mas acha que é outra coisa. Supõe que diz ali para regar as plantas ou para comprar coentro ou para ligar pra sua mãe. E quando me lê indo embora, acha que eu falo verde, mas é azul, azul mesmo. Eu juro.

sábado, 11 de junho de 2011

Entonces

E agora, que eu aprendi a partir, você me pede pra ficar.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Bla Bla Bla

Uso um all star vermelho porque é moda. Você, enquanto anda ao meu lado, toca meu ombro de leve com a mão, como quem vai dizer o que importa. Olho para você e não espero que diga. Desvio o olhar pras vitrines e acho bonita a nova coleção. Explico os novos tons da estação, explico que o couro não é de verdade, explico os novos preços e acho que os estudantes deviam protestar por isso também. Vou me fazendo bem de mulherzinha pra ver se assim você me quer. Mas você me fala do Palocci, viu no que deu?, você fala da gasolina, que anda um horror, você pergunta quando é que meu carro vai ter insulfilm, de quanto é a cotação do Euro agora, como se faz pra alugar um barco daqueles em Amsterdã.

Uso um sorriso amarelo porque assim eu posso dizer que o Palocci, a gasolina, os preços, o Euro e o insulfilm andam um abuso enquanto você, que saiu um pouco na frente, pegou o jornal na banca no meio da frase e nem ouviu que eu pouco me importo, que já sabia no que ia dar o Palocci, gasolina já começou a baixar, Euro sempre foi caro, pra quê insulfilm?, e aquele vulcão no Chile? Será que chove amanhã?