terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Quereres

Fica nessa de que já doeu demais, José, mas vai vivendo leve, pisando alto. Tendo passado pela dor, você deve saber que só assim é de verdade. Que só assim vale a pena. Que viver leve e pisar alto é meio enganação, porque o tempo voa (e como eu tenho medo do tempo voando).

O quereres, José...

Diz por que tanto desencontro numa vida só. Estamos sempre atrasados e já passamos do ponto também. Valia a pena um pouco mais de fantasia, mais uns rodopios numa rua qualquer, um fim de tarde em que não se vê a hora, a gente falando só o que quer e fingindo que o que passou, passou. Valia a pena você sem medo, querente.

Vira João, não, José, que eu me repito toda.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Empréstimo

Eu ainda não sei bem o que fez ele ver tristeza nos meus olhos. Pediu que eu mirasse outro lado, por precaução. Tive vontade de dizer que a tristeza está também nos olhos de quem vê, pra ver se com um clichê eu me livrava daquela ousadia que era a dele, de fingir que me adivinhava a dor. Não sei bem também se eu deveria parecer feliz só pra preservar uma certa contradição ou se estava em condição de me emprestar um pouquinho, emprestar um pouquinho os meus olhos como espelho, pra deixar que ele fale fale fale fale dele fingindo que eu é que estou em questão.

Então ele fala fala fala da dor dele. E eu sorrio agora meio amarelo, boca meio querendo fechar. Não consigo segurar muito tempo. Bebo um gole. Volto a sorrir. Ele não me conta nada porque se ocupa em dizer o quanto meus olhos tristes jogam tristeza pras pessoas. Pediu de novo que eu mirasse outro lado, e eu queria correr dali, daquela indelicadeza toda, mas ele também vinha com aqueles olhos grandes, coloridos, pra cima de mim.

Eu me perguntava um pouco se era só dor ou se poderia ter algo de místico nos encontros com as pessoas, porque uma senhora que ficou louca outro dia me mandava rezar insistentemente. Na sua alucinação, via muita carga pesada me rodeando e deus falava pra ela me dizer isso: deus manda você rezar, obrigado. Você ouviu? É pra você rezar, obrigado. Obrigado. E talvez ela agradecesse tanto por eu ter me emprestado para ela também. Eu emprestava meu olhar, que naquela hora não era triste, era seguro. E emprestava meu ouvido para que ela se lembrasse de um irmão morto brutalmente e para que pudesse ser louca com dignidade. Ela, sim, rezava alto pra deus ouvir, e desvanecia de tempos em tempos dizendo que se não rezasse cairia. Cairia em tentação, completou por fim.

A sanidade, acho, tira da gente o direito de ser indelicado quando quer.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Sonho n.02

Vem de novo a enxurrada.
As pessoas buscam abrigo, saem das suas casas.
As casas são tomadas.
Descobrimos que os vivos agora estão mortos.
(Não quero vê-los mortos)
O último barco vai embora.

Eu grito, grito que são assassinos de nos deixarem para trás.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Run, Forrest

Ela chegou dessa vez meio esbaforida. Disse que não tinha acordado muito bem, porque não tinha dormido muito bem, porque nada no dia anterior tinha sido muito bom. Começou falando abstrato, como faz quando evita falar de alguma coisa muito importante. Citou um aborrecimento no trabalho, uma ou duas músicas tristes que fizeram pensar no passado, três ou quatro insatisfações corriqueiras, de coisinhas que não têm dado muito certo, quatro ou cinco grandes frustrações nos últimos meses e, por fim, que achava que seria sempre assim.

Não que quisesse desistir (ela acha que não sabe nem como é que se faz pra desistir), mas que a vida estava meio assim assim, arrastadinha. Perguntou para mim, que devo saber das coisas, onde é que ela tem errado. Ela supõe, eu imagino, que eu possa apontar um rumo melhor.

Boba. Se perguntasse de verdade e eu respondesse de verdade, Forrest Gump teria corrido pouco perto da gente...

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Musical VIII

Eu não sei
Se ela sabe o que fez
Quando fez o meu peito
Cantar outra vez
Quando ela jura
Não sei por que Deus ela jura
Que tem coração
e quando o meu coração
Se inflama...

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Verdade

A verdade é que eu minto um bocado.
Eu odeio, detesto, abomino esperar.

E tenho dito.