quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Em eco


Da última vez que nos vimos eu senti o impulso de te dizer as coisas que eu queria dizer, não que soubesse exatamente quais eram. Sei que precisava deixar que saíssem como fosse possível: incompreensíveis, desajeitadas, demasiado dramáticas. A conversa não atingiu o tom sério que eu buscava e escapulir pela tangente, chistosamente, foi o que deu. Você está de certa maneira familiarizado com as minhas hesitações e gosto de achar que percebe que alguma coisa de mais substancial ainda vem, mesmo tardiamente.
O fato é que eu estava triste. E não sabia muito bem pelo quê, mas estava triste e só. Na véspera, e talvez na semana que precedeu o nosso encontro, mas ainda assim parecia véspera, havíamos sido tomados, por aqui, por uma discussão completamente exagerada. Não exagerada em seus termos, como se nos exaltássemos, mas por motivos exagerados e surpreendentemente antecipados: sofríamos de fato pelo que poderia nos acontecer, e não por algo que já nos tivesse tocando no presente. E parece que, quanto mais falávamos, menos compreendidos éramos, num desencontro sem fim. Um muro se instalou entre nós e, cada um de lado, gritava atrapalhado pelo eco de sua própria voz. E eu me calava e era como uma estrangeira que tenta decifrar as palavras pelo som sem saber, ao fim da frase, a que se ligava de início.
Depois veio aquele sonho: visitávamos minhas moradas da infância e na medida em que revirávamos as gavetas, os armários, as memórias saltavam vivas e inteiras. O jantar do natal de 2005 cheirava como nunca, nossos brinquedos espalhados no sofá da sala, o jeito de vovó demonstrar preocupação. Tudo vivo e nítido. De repente Caetano era um irmão e dedilhava uma canção nova, compondo ali, e eu sabia que deveria gravar e não perder nada, nada, nada. Mas nem deu. Me atrapalhei com o celular. Estávamos, afinal, todos emocionadíssimos. Eu sugeri que a música se chamasse Haveria coragem. Caetano fez que talvez e eu acordei.
Haveria Coragem.