tag:blogger.com,1999:blog-40005307421619407362024-02-20T21:59:51.584-03:00It's a long wayFernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.comBlogger221125tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-75404670787572846702022-01-12T15:41:00.005-03:002022-01-12T15:41:54.346-03:00Dez<p> </p><div class="" dir="auto" style="text-align: justify;"><div class="ecm0bbzt hv4rvrfc ihqw7lf3 dati1w0a" data-ad-comet-preview="message" data-ad-preview="message" id="jsc_c_eg"><div class="j83agx80 cbu4d94t ew0dbk1b irj2b8pg"><div class="qzhwtbm6 knvmm38d"><span class="d2edcug0 hpfvmrgz qv66sw1b c1et5uql lr9zc1uh a8c37x1j fe6kdd0r mau55g9w c8b282yb keod5gw0 nxhoafnm aigsh9s9 d3f4x2em iv3no6db jq4qci2q a3bd9o3v b1v8xokw oo9gr5id hzawbc8m" dir="auto"><div class="kvgmc6g5 cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q"><div dir="auto" style="text-align: start;">Quase dez meses e tudo está bem diferente. Temos dois dentinhos afiados, mais dois pelo caminho e um sorriso mais fácil, doce. Tão carinhosa, minha menina deita a cabeça e abraça a gente assim. Aos poucos ela passou a entender perfeitamente o que representa a palavra Não e acho ótimo. Que faça bom uso. A gente aprende o não antes mesmo de conseguir pronuncia-lo. Não é à toa! </div></div><div class="cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql o9v6fnle ii04i59q"><div dir="auto" style="text-align: start;">Precisamos deixar explorar mas também estabelecer alguns limites pra essa criança aventureira. Elis quer se lançar numa corrida doida, parece comigo. Devagar filha, mais devagar! Calma! Chamou a mamãe no aperto de uma noite de febre e depois disso pôde começar a usar outras palavras também: batata, papai, pepeta. Apenas coisas da maior importância. Aventura de verdade é ver minha filha crescer. Que ano, gente. Que ano! Adivinhando a novidade que tumultua nossas noites, semana após semana, estamos avançando bem. Comendo bem, mamando, espichando e engordando, curiosa com sons, cores e tudo mais que cruze nosso caminho. Tudo nos conformes, pela graça do imenso investimento dessa família amorosa e ágil! </div></div><div class="cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql o9v6fnle ii04i59q"><div dir="auto" style="text-align: start;">Elis está obviamente habituada com as máscaras e ver um de nós fazendo uso dela causa aquele alvoroço! Para ela, na sua inocência infantil, a máscara prenuncia o passeio. É uma condição, afinal. Acho triste, mas precisa ser assim. Chegamos vivos ao fim de mais um ano de pandemia, felizes e privilegiados por não termos perdido ninguém. E nem contraído o vírus, o que é surpreendente. </div></div><div class="cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql o9v6fnle ii04i59q"><div dir="auto" style="text-align: start;">Meu trabalho, muito trabalho, amparado pelos fones de ouvido e pela avó de Elis, minha mãe, incansável. Quanto suporte. Não tem nome o que recebi em 2021. Manter a clínica online foi um estorvo pra mim, que gosto de gente, de estar com gente, mas também precisou ser assim e precisar ser assim me permitiu acompanhar cada dia de Elis, participar das sonecas e refeições. Então, noves fora, tá ótimo. </div></div><div class="cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql o9v6fnle ii04i59q"><div dir="auto" style="text-align: start;">Como sempre, começaremos o novo ano desejosos de tempos melhores. Saúde, sorte. Em frente!</div></div></span></div></div></div></div>Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-25605365565641236252022-01-12T15:41:00.000-03:002022-01-12T15:41:00.633-03:00<p style="text-align: justify;"> </p><div class="" style="text-align: justify;"><div class="ecm0bbzt hv4rvrfc ihqw7lf3 dati1w0a" data-ad-comet-preview="message" data-ad-preview="message" id="jsc_c_my"><div class="j83agx80 cbu4d94t ew0dbk1b irj2b8pg"><div class="qzhwtbm6 knvmm38d"><span class="d2edcug0 hpfvmrgz qv66sw1b c1et5uql lr9zc1uh a8c37x1j fe6kdd0r mau55g9w c8b282yb keod5gw0 nxhoafnm aigsh9s9 d3f4x2em iv3no6db jq4qci2q a3bd9o3v b1v8xokw oo9gr5id hzawbc8m" dir="auto"><div class="kvgmc6g5 cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q"><div dir="auto" style="text-align: start;">Hoje acordamos às cinco. "Acordamos" é modo de dizer. Para acordar, é preciso primeiro dormir. Ando revendo o conceito de sono. A menina não é de chorar e descobriu que pode batucar na cama em vez de chamar. Uma danada. Agora engatinha numa velocidade impressionante e, apressada, começou com essa mania de tentar andar, erguendo-se em tudo - o que nos põe vigilantes (mais, ainda mais). Se pai e mãe estão presentes, ela nunca decide com quem quer estar e vai de um pro outro. Assim que chega em um, vai pro outro. Mal dá tempo de fazer umas cócegas. É uma graça, uma fofura enorme, proporcional à dor lombar. Travados estamos, mas como dizer não a uma criança querendo explorar o mundo? Atenta aos sons, às luzes, puxa toda gente a reparar nas coisas. Nosso repertório musical vai crescendo exponencialmente, com derivações interessantes. Somos criativos, afinal. </div><div dir="auto" style="text-align: start;">Atualmente, entramos em defesa da Barata, que se diz que tem é porque tem, ué. Transformamos a barata numa pessoa modesta, que não tem só sete saias de filó, mas que é dona do brechó! E não tem um anel de formatura, tem um monte! Doutora em arquitetura! Rá, Rá, Rá-Rá, Rá, Rá: é doutora em arquitetura...</div></div><div class="cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql o9v6fnle ii04i59q"><div dir="auto" style="text-align: start;"> Pelo menos dessa vez fica possível alguma reparação. </div></div><div class="cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql o9v6fnle ii04i59q"><div dir="auto" style="text-align: start;">A menina, a minha menina, não é de sorrisos fáceis. Exceto quando aproveito o estado de sono e dou uma bela fungada em seu sovaquinho! Finalmente escuto aquela gargalhada digna de corpinho balançando e olhinhos fechados. E depois solta um "rum", como quem diz "essa minha mãe...". </div><div dir="auto" style="text-align: start;">Quando muito descabelada (exausta, acabada), mando logo um "mãe maluca", terminando de bagunçar a juba. Ela adora. Fica surpresa, mas adora. </div></div><div class="cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql o9v6fnle ii04i59q"><div dir="auto" style="text-align: start;">É trabalhoso, todos sabem. Mas também existe uma beleza tremenda em ver um bebê virando gente, saindo das necessidades para as preferências, aprendendo a se comunicar mesmo antes de falar. Apontando pra cama, pra água, fechando a cara, escorregando do colo pra pedir o chão. É realmente de uma beleza tremenda presenciar os quereres da minha menina surgindo. Muitos quereres é o que eu desejo para ela. Uma vida cheia deles. Não vejo a hora de ela criar condições de me dizer quais são.</div></div></span></div></div></div></div>Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-87683910246579589402021-04-23T10:31:00.005-03:002021-04-23T17:34:09.710-03:00A casa<p> </p><p class="he hf fn hg b hh hi hj hk hl hm hn ho hp hq hr hs ht hu hv hw hx db dw" data-selectable-paragraph="" id="c901" style="text-align: justify;">Enquanto desvio da noite atrás de Elis insone, resgato, sem saber exatamente o porquê, “A casa” de V<span id="rmm"><span id="rmm"><span id="rmm"><span id="rmm"><span id="rmm"><span id="rmm">i</span></span></span></span></span></span>nicius
de Moraes. Já tentei outras e por enquanto não funcionam. Por isso,
canto incansavelmente seus versos até conseguir um ligeiro cochilo da
pequena. Passamos mais tempo no embalo cantante do que no sono
propriamente dito, mas o próprio processo garante algum descanso - no
caso, o dela (ser mãe é isso). Não sei exatamente também como tornou-se
possível construir um alento com uma casa que não tem nada de engraçada,
nem o chão e nem as paredes, muito menos o penico — todos faltantes. Na
verdade, eu sei. Faço uma voz bem baixinha, escolho um tom ameno e sigo
quase sem pausa, pra que ela não tenha tempo de abrir um berreiro <em class="hy">entre-versos</em>.
Na maioria das vezes o que acontece é que Elis se aconchega mais e mais
a cada repetição, a casa vai ficando firme, como uma casa feita de
tijolos (e não de palha ou madeira, veja bem). Quando não funciona, a
segunda tática é reiniciar a música do meio de uma frase ou até de uma
sílaba qualquer quando ela percebe a pausa, disfarçando minha tentativa
de parar. De tanto amor ou exaustão, ela dorme.</p><p class="he hf fn hg b hh hz hi hj hk ia hl hm hn ib ho hp hq ic hr hs ht id hu hv hx db dw" data-selectable-paragraph="" id="e988" style="text-align: justify;">Nas
noites mais difíceis, Elis passeia sua mãozinha minúscula em busca de
um pedaço de mim em que possa se agarrar, como quem sabe que eu poderia
mesmo pensar em escapulir dali, dessa missão tão difícil que me dei. E
penso, penso tanto que jamais poderia. Depois de embalar por horas um
soninho tão mequetrefe, ela acorda restabelecida, olhões azuis me
encarando, e eu, apesar de acabada, estou incrivelmente pronta para
começar tudo de novo. Quem explica?</p><p class="he hf fn hg b hh hz hi hj hk ia hl hm hn ib ho hp hq ic hr hs ht id hu hv hx db dw" data-selectable-paragraph="" id="6550" style="text-align: justify;">Acho
que A casa (que não é) só pode ser a exata representação de uma mãe
cansada. Ora sem chão, ora sem poder deitar na rede. Fazer pipi, desde
que alguém te renda — é o que ninguém conta. E não se engane nem se
assuste se lá da privada, ouvindo os choros de fora, você se apressar e
já começar a balbuciar a primeira estrofe inteira. Não é fácil. Não é
engraçado. Mas só rindo mesmo.</p>Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-33034590061811269242021-02-22T16:44:00.002-03:002021-02-22T16:44:47.347-03:00Breve<p class="wf wg uv np b wh wi wj wk wl wm wn wo wp wq wr ws wt wu wv ww wx wy wz xa xb sk hc" data-selectable-paragraph="" id="0871" style="text-align: justify;">Elis
chegará em breve e as pessoas me avisam insistentemente que será uma
fase de abdicações e alegrias. Muitas abdicações. Às vezes, ao que
parece, bordeadas pelas alegrias. Ou o contrário, ainda não entendi.
Dizem que não dormirei, que meu tempo será o tempo dela, que nunca mais
romance, nunca mais cinema, nunca mais drink no <em class="xc">dancing</em>…
as pessoas não se cansam de me contar sobre seus cansaços. Eu tiro de
letra, digo que nasci cansada e já me deixei cansar por cada coisa, que
Elis pode me surpreender com uma energia nova. Foram muitas noites de
sono perdidas em festas ruins para me queixar de ninar Elis até de
manhã. Que vai valer a pena. Que criar gente é mesmo trabalhoso, mas que
já me dediquei a muitas pessoas que mal conheci, emprestando tempo e
corpo. Que tenho dado espaço para as ambivalências e elas me dão
indícios do que não posso abrir mão para conseguir estar ali, inteira.
Ou quase inteira, pelo menos. Acho que para as alegrias pensam não haver
preparo. Ninguém está preparado para as alegrias.</p><p class="wf wg uv np b wh wi wj wk wl wm wn wo wp wq wr ws wt wu wv ww wx wy wz xa xb sk hc" data-selectable-paragraph="" id="9e60" style="text-align: justify;">Elis
nascerá em muito breve, no ano em que não houve carnaval. Todos os dias
o pessimismo com o caminhar das coisas toma a casa logo pela manhã,
lendo as notícias, e nos esforçamos para retomar o fôlego. Uma pandemia
atravessando a gestação, a distância cruel e necessária dos mais
queridos. Sem abraços, a barriga cresceu dimensionada pelas telas, em
chamadas de vídeo. O álbum de fotos tem um mesmo cenário, a sala de
casa. É bom estar em casa, com saúde. São tempos em que estar em casa
com saúde é um grande privilégio e eu não me esqueço disso. Ouvimos
música de protesto em protesto. Você não acha que tá faltando
protestar mais? Leio livros seguidos de livros, haja literatura pra me
tirar daqui um pouco. E me ajudar a ficar um pouco mais. Caprichamos no
café da manhã, tudo cheio de proteína pra fazer essa criança crescer, e
no fim de semana aproveito de verdade o bolo com o doce de leite vindo
lá das Minas Gerais que minha mãe inventou. Me culpo e me desculpo por
tanto açúcar numa fatia só. Haja! Não dá pra passar por isso sem adoçar
as coisas.</p><p class="wf wg uv np b wh wi wj wk wl wm wn wo wp wq wr ws wt wu wv ww wx wy wz xa xb sk hc" data-selectable-paragraph="" id="885a" style="text-align: justify;">Eu
espero para Elis uma vida doce. Que dessa maré em que ela nasce seja
possível ver com mais clareza o que nessa vida importa. Que a gente
consiga transmitir leveza mas também dar o peso que as coisas têm.
Alternadamente, construindo recursos.</p><p class="wf wg uv np b wh wi wj wk wl wm wn wo wp wq wr ws wt wu wv ww wx wy wz xa xb sk hc" data-selectable-paragraph="" id="8165" style="text-align: justify;">Com calma. Com alma.</p>Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-81320527187628385862020-11-16T18:11:00.001-03:002020-11-16T18:11:06.642-03:00Minha filha,<p style="text-align: left;"> </p><p class="hc hd fk he b hf hg hh hi hj hk hl hm hn ho hp hq hr hs ht hu hv cw dy" data-selectable-paragraph="" id="cf65" style="text-align: justify;">Sei
que, ao menos por enquanto, você fica inteiramente submetida aos meus
dias. E se passo por um deles que me seja difícil, você se mostra
sensível à minha agitação, vivendo um alvoroço também aqui dentro. Não
foram fáceis esses nossos últimos meses. O pesadelo de ontem, uma
enxurrada tomando a cidade, o mar (la mer? la <em class="hw">mère</em>?)
invadindo as ruas e fazendo tudo tudo desmoronar. Pela manhã, outro
atropelamento, escancarando a nossa devastadora impotência diante da
vida. Ainda assim, esses acontecimentos não superam os nossos últimos
meses.</p><p class="hc hd fk he b hf hx hg hh hi hy hj hk hl hz hm hn ho ia hp hq hr ib hs ht hv cw dy" data-selectable-paragraph="" id="3dc7" style="text-align: justify;">(Comprei um <span id="rmm"><span id="rmm"><span id="rmm"><span id="rmm"><span id="rmm"><span id="rmm"><span id="rmm"><span id="rmm">V</span></span></span></span></span></span></span></span>alter
Hugo Mãe para ver se finalmente nos acalmamos. Só agora percebo com
mais clareza de que se trata, afinal, desse significante, <em class="hw">mãe</em>, se inscrevendo aos poucos.)</p><p class="hc hd fk he b hf hx hg hh hi hy hj hk hl hz hm hn ho ia hp hq hr ib hs ht hv cw dy" data-selectable-paragraph="" id="a913" style="text-align: justify;">Haverá
um dia em que os seus dias terão belezas e dificuldades só suas, e
então você poderá escolher compartilhar conosco ou guardar para si os
seus sentimentos. Por enquanto, ao menos por enquanto, você e suas
piruetas me acompanham nas noites insones e por isso hoje te explico — o
que se descobre logo que se é feito gente — que <em class="hw">são demais os perigos dessa vida. </em>Mas
te explico e de antemão me desculpo por antecipar constatações que, sem
dúvida, são duras. Sempre fui mestre em antecipar, achando ingenuamente
que, assim, me livraria dos atropelos. Mas ninguém se livra dos
atropelos.</p><p class="hc hd fk he b hf hx hg hh hi hy hj hk hl hz hm hn ho ia hp hq hr ib hs ht hv cw dy" data-selectable-paragraph="" id="5b31" style="text-align: justify;">Seu
pai diz que teme que você não tenha a chance de passar pela experiência
democrática que tivemos - não agora, quando tudo parece confuso, mas há
pouco. Seu pai não chega a ser um pessimista, eu juro, mas ele diz
essas coisas. E não me parece um pessimista porque, ao mesmo tempo em
que diz essas coisas, ele provoca sutilezas capazes de encorajar a
seguir e a acreditar que algumas conquistas são irrevogáveis. Ele não
diria assim, é claro. Mas é o que eu acho que ele faz quando me faz
caber num abraço. Eu toda. E isso ainda não ser tudo. Mesmo quando me
falta, especialmente quando me falta, apareço inteira. Não sei explicar.</p><p class="hc hd fk he b hf hx hg hh hi hy hj hk hl hz hm hn ho ia hp hq hr ib hs ht hv cw dy" data-selectable-paragraph="" id="71ef" style="text-align: justify;">Pra muita coisa importante falta nome.</p><p class="hc hd fk he b hf hx hg hh hi hy hj hk hl hz hm hn ho ia hp hq hr ib hs ht hv cw dy" data-selectable-paragraph="" id="3911" style="text-align: justify;">Essa
carta é um aviso, Elis. Mas também é um lembrete das saídas possíveis
para a dureza dos dias. Quando tudo parecer difícil é porque
provavelmente é. Ainda assim, você não precisa estar só. Busque a
companhia de pessoas de onde se tire alguma poesia. Algum amigo que te
escute profundamente, sem nem ter o que dizer. Um dia de sol ao ar
livre. Um tempo em silêncio. E no que mais você conseguir.</p>Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-57778586041767580942020-06-26T17:41:00.001-03:002020-06-26T17:41:17.582-03:00Dia de comida boa<div class="hz ia bx ib b ic id ie if ig ih ii ij ik il im in io ip iq ir gd ap" data-selectable-paragraph="" id="8857" style="text-align: justify;">
Hoje
é sexta-feira e depois de atender o dia inteiro, com os fones enfiados
nos ouvidos, suportando as más conexões para permitir outras, sei que
vai chegar a hora de me alongar no chão da sala, de tomar um banho
morno, ligar a vitrola e abrir um vinho com meu bem. Em geral é cerveja,
mas hoje será um Merlot, que tomara que esteja bom. Ouviremos Milton
Nascimento, Gil e Belchior (nosso acervo não é dos maiores, é verdade,
mas nos basta). Meu bem, nas sextas-feiras, prepara <em class="iw">comida boa</em>.
É assim que chamamos a comida da sexta, para que se marque a diferença
entre ela e o cardápio semiequilibrado dos outros dias. É de comida boa
em comida boa que fazemos a nossa escansão, a pausa de semanas ora
estressantes, ora no embalo, sem pensar demais. Amanhã é dia de <em class="iw">café com calma</em>. É assim que chamamos as manhãs de sábado.</div>
<div class="hz ia bx ib b ic id ie if ig ih ii ij ik il im in io ip iq ir gd ap" data-selectable-paragraph="" id="f468" style="text-align: justify;">
Tenho
evitado os noticiários porque entendo que tão cedo não haverá boa
notícia. Ao contrário, a cada dia surge uma pior do que a outra. Aquele
senhor que chamam presidente, aff. Não aguento. Só me refiro a ele
usando os nomes que Riobaldo usa para o coisa-ruim: Cramulhão, Galhardo,
Sujo, Tisnado, Coxo, Temba, Azarape. O cão!</div>
<div class="hz ia bx ib b ic id ie if ig ih ii ij ik il im in io ip iq ir gd ap" data-selectable-paragraph="" id="e082" style="text-align: justify;">
É, meu amigo, Deus é paciência.</div>
<div class="hz ia bx ib b ic id ie if ig ih ii ij ik il im in io ip iq ir gd ap" data-selectable-paragraph="" id="9304" style="text-align: justify;">
Espero
que seus dias tenham alguma graça, mesmo pequenina, mas alguma. Que a
você chegue algum afeto, como este, nessa cartinha apressada, escrita no
tempinho em que descanso as orelhas.</div>
<div class="hz ia bx ib b ic id ie if ig ih ii ij ik il im in io ip iq ir gd ap" data-selectable-paragraph="" id="e240" style="text-align: justify;">
Fique bem. Tá tudo bem em pestanejar — desde que não se demore ali.</div>
<div class="hz ia bx ib b ic id ie if ig ih ii ij ik il im in io ip iq ir gd ap" data-selectable-paragraph="" id="006c" style="text-align: justify;">
Um abraço forte (daquele tipo pré-pandêmico).</div>
<div class="hz ia bx ib b ic id ie if ig ih ii ij ik il im in io ip iq ir gd ap" data-selectable-paragraph="" id="2e5c" style="text-align: justify;">
<a class="cm di is it iu iv" href="http://fernandastange/" rel="noopener nofollow" target="_blank">Nanda</a>.</div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-17032198949984578832020-06-01T09:35:00.004-03:002020-06-01T09:35:56.012-03:00Paz sem Voz<div class="ii iw ct by ik b il im ix in io iy ip iq iz ir is ja it iu jb iv gl" data-selectable-paragraph="" id="c238" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="ii iw ct by ik b il im ix in io iy ip iq iz ir is ja it iu jb iv gl" data-selectable-paragraph="" id="c238" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="ii iw ct by ik b il im ix in io iy ip iq iz ir is ja it iu jb iv gl" data-selectable-paragraph="" id="22ce" style="text-align: justify;">
<a class="cl dj jc jd je jf" href="https://medium.com/@carlacarrion" rel="noopener" target="_blank">Carla</a>,</div>
<div class="ii iw ct by ik b il im ix in io iy ip iq iz ir is ja it iu jb iv gl" data-selectable-paragraph="" id="22ce" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="ii iw ct by ik b il im ix in io iy ip iq iz ir is ja it iu jb iv gl" data-selectable-paragraph="" id="7bf8" style="text-align: justify;">
Eu
sei que você se aborrece com as minhas demoras, mas eu tenho me
permitido algumas mesmo não sendo fácil para mim me ausentar. Sempre me
lembro dos versos de García Márquez, em Memórias de minhas putas
tristes, quando descobre que “<em class="fi">a minha obsessão de que
cada coisa estivesse no seu lugar, cada assunto no seu tempo, cada
palavra no seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente ordenada
mas, pelo contrário, um sistema completo de simulação inventado por mim
para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou
disciplinado por virtude, mas como reação contra a minha negligência;
que pareço generoso para encobrir a minha mesquinhez, que passo por
prudente por ser pessimista, que sou conciliador para não sucumbir às
minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que não se saiba que
pouco me importa o tempo alheio</em>”. É interessante, porque ainda ontem eu estudava Didier-Weill quando diz que a música tem essa função de nos tornar <em class="fi">Sujeito cantante</em>.
Ele brinca com as palavras ao dizer cantante, porque é falante que o
sujeito é. A obra de arte, já dizia Freud, não é lida por nós (vista,
ouvida…) mas sim nos lê, vê e ouve. Está aí a identificação com o trecho
do Gabito.</div>
<div class="ii iw ct by ik b il im ix in io iy ip iq iz ir is ja it iu jb iv gl" data-selectable-paragraph="" id="7bf8" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="ii iw ct by ik b il im ix in io iy ip iq iz ir is ja it iu jb iv gl" data-selectable-paragraph="" id="2a24" style="text-align: justify;">
São
delongas para me desculpar pela demora, mas também para dizer que
precisei dela e impus que você esperasse. Não por maldade, porque não
pensava exatamente em você e em fazê-la esperar por puro capricho, é
claro. Gosto de você. E sei que você suporta porque entende essa espera.
Não que precise, mas vou também dizer que não sou exatamente de paz,
como você diz. Às vezes sou. Mas hoje, depois de rever os vídeos do
manifesto antifascista que começa a nos dar notícias e esperança, eu
voltei a sentir esse fervor no peito. Paz sem voz é conivência, Carla.
Não podemos ser coniventes.</div>
<div class="ii iw ct by ik b il im ix in io iy ip iq iz ir is ja it iu jb iv gl" data-selectable-paragraph="" id="72a5" style="text-align: justify;">
Longe
de embarcar em uma de achar que dá pra mudar o mundo, propus (a mim
mesma) que marcasse posição sempre que achasse importante não parecer
conivente. Digo não, mesmo sabendo ser pouco dizer não. Atormento os
meus vizinhos racistas, os que flertam com o autoritarismo. Bato panelas
para que saibam que não estamos juntos. Não dá pra ficar confinada, e
em paz, sem voz. Quase me envergonho de fazer tão pouco. Da minha
posição privilegiada, isso não é nada, eu sei. Eu sei mesmo. Não precisa
me dizer. Levo a vida e o trabalho com a máxima coerência que a minha
neurose me permite. Mas, Carla, é na miséria do meu pequeno mundo que
posso ver algum avanço e ter ânimo para seguir, atenta e forte.</div>
<div class="ii iw ct by ik b il im ix in io iy ip iq iz ir is ja it iu jb iv gl" data-selectable-paragraph="" id="72a5" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="ii iw ct by ik b il im ix in io iy ip iq iz ir is ja it iu jb iv gl" data-selectable-paragraph="" id="c272" style="text-align: justify;">
Não temos (mais) tempo de temer a morte.</div>
<div class="ii iw ct by ik b il im ix in io iy ip iq iz ir is ja it iu jb iv gl" data-selectable-paragraph="" id="1ec4" style="text-align: justify;">
Espero que você esteja bem.</div>
<div class="ii iw ct by ik b il im ix in io iy ip iq iz ir is ja it iu jb iv gl" data-selectable-paragraph="" id="4f8e">
Um beijo,</div>
<div class="ii iw ct by ik b il im ix in io iy ip iq iz ir is ja it iu jb iv gl" data-selectable-paragraph="" id="6e23">
Nanda</div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-45858692953429764352020-04-28T13:39:00.003-03:002020-04-28T13:39:51.040-03:00Nada será como antes<div class="gz hn ct by hb b hc hd ho he hf hp hg hh hq hi hj hr hk hl hs hm fb" data-selectable-paragraph="" id="a2d5" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white;"><mark class="my mz kz"></mark></span></div>
<div class="gz hn ct by hb b hc hd ho he hf hp hg hh hq hi hj hr hk hl hs hm fb" data-selectable-paragraph="" id="a2d5" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white;">Guimarães Rosa, que é quem sempre me socorre nos momentos mais difíceis, diz, tão atual, que qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Foi a primeira coisa que me veio à cabeça quando recebi a sua carta. Por isso veio tão bem-vinda. As nossas palavras são um respiro no meio de tudo isso. Que bom que nessa rotina sem pausas e com tão poucas ausências você conseguiu um tempo para me escrever. </span></div>
<div class="gz hn ct by hb b hc hd ho he hf hp hg hh hq hi hj hr hk hl hs hm fb" data-selectable-paragraph="" id="a2d5" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white;"> </span></div>
<div class="gz hn ct by hb b hc hd ho he hf hp hg hh hq hi hj hr hk hl hs hm fb" data-selectable-paragraph="" id="349f" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white;">Alguns dias permitem um
mínimo de e-laboração (neologismo que veio a calhar), mas em geral a
angústia se instala como um elefante na sala. As tarefas de casa, as
notícias na TV, esse trabalho improvisado, os medos, as incertezas. Mal
dormir, acordar. Reparando
bem nas pessoas, penso que não estou sozinha espremida entre tromba e
patas. “My sweet quarantine” está cheia de insônias por aí, não tenho a
menor dúvida. Tenho pensado muito nesse movimento, principalmente
escutando as pessoas em análise, cada um com seu estilo e condições,
criando recursos. Há quem esteja num mergulho narcísico desolador, há
quem padeça da impotência diante do mundo e das coisas como vão. </span></div>
<div class="gz hn ct by hb b hc hd ho he hf hp hg hh hq hi hj hr hk hl hs hm fb" data-selectable-paragraph="" id="349f" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="gz hn ct by hb b hc hd ho he hf hp hg hh hq hi hj hr hk hl hs hm fb" data-selectable-paragraph="" id="349f" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white;">De
alguma maneira, escancarou-se o desamparo, única coisa que faz de nós
irmãos. Quando os privilégios são muitos, são pequenos conflitos e o
tédio, quem diria, que balizam essa experiência sem nome. Nos casos mais
graves, é mesmo a morte, impiedosa e ágil. Na nossa recusa fundamental
em encarar nossos limites, a possibilidade da morte, a cruel
mesquinharia capitalista, a absurda desigualdade que nos cerca, esse
limite se impõe. Com muita cautela e sorte, talvez possamos aos poucos
(não depois que tudo passar, como vínhamos dizendo, porque sabemos não
ser coisa que passe) reinventar nossa existência. Sem a ingenuidade de
sonhar com um mundo outro, mas um mundo em que nós possamos ser outros.
Eu, você… alguns de nós.</span></div>
<div class="gz hn ct by hb b hc hd ho he hf hp hg hh hq hi hj hr hk hl hs hm fb" data-selectable-paragraph="" id="349f" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="gz hn ct by hb b hc hd ho he hf hp hg hh hq hi hj hr hk hl hs hm fb" data-selectable-paragraph="" id="2e7f" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white;">Nada será como antes, é verdade.</span></div>
<div class="gz hn ct by hb b hc hd ho he hf hp hg hh hq hi hj hr hk hl hs hm fb" data-selectable-paragraph="" id="5536" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white;">Mas não é como se as coisas estivessem indo bem.</span></div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-44034522539133856712020-04-24T15:01:00.000-03:002020-04-24T15:01:13.310-03:00Os deslimites da palavra<div class="gz ha ct by hb b hc hd he hf hg hh hi hj hk hl hm fb" data-selectable-paragraph="" id="4e17" style="text-align: justify;">
“Ando
muito completo de vazios” é a forma como Manoel de Barros inicia um dos
versos mais bonitos que já li na vida. Atemporal, como todo grande
poeta, ele consegue exprimir em umas poucas linhas a sensação das
últimas semanas inteiras.</div>
<div class="gz ha ct by hb b hc hd he hf hg hh hi hj hk hl hm fb" data-selectable-paragraph="" id="4e17" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="gz ha ct by hb b hc hd he hf hg hh hi hj hk hl hm fb" data-selectable-paragraph="" id="dbb3" style="text-align: justify;">
Com
uma produção onírica insistente, tenho acordado exausta. Nessa manhã,
imediatamente após o abrir dos olhos, lembrei-me deste verso em
específico, o quarto de <em class="hr">Os deslimites da palavra</em>, que diz <em class="hr">não posso mais saber quando amanheço ontem. </em>Talvez<em class="hr"> </em>pela
confusão temporal que se impõe, talvez pela revivescência sazonal de
sentimentos complexos ao longo da semana. Invejei, de alguma maneira, a
habilidade do poeta em listar os princípios do que chama “didática da
invenção”. Manoel de Barros nos instiga a <em class="hr">capturar a voz de um peixe</em> ou <em class="hr">a palavra que sirva na boca dos passarinhos</em> ou, de uma beleza sem nome, <em class="hr">uma palavra para compor silêncios</em>.
Nesse ponto, acho que temos algo em comum. É exatamente com o suporte
da palavra que a psicanálise nos permite uma aproximação com os poetas:
apanhadores de desperdício, amantes de restos.</div>
<div class="gz ha ct by hb b hc hd he hf hg hh hi hj hk hl hm fb" data-selectable-paragraph="" id="dbb3" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="gz ha ct by hb b hc hd he hf hg hh hi hj hk hl hm fb" data-selectable-paragraph="" id="b2ef" style="text-align: justify;">
Às
pessoas que escuto, quando sinto que há nós contorcendo frases, tenho
recomendado a leitura dos grandes. Manoel de Barros, Guimarães Rosa e
Mia Couto são ótimos desembaraçadores desse tipo de nó. Igualmente, uma
boa música é capaz de liberar espaços, como um abre-caminhos para a
libido. Ninguém sai ileso ao encontro entre Diadorim e Riobaldo no
imenso sertão (que é dentro da gente), assim como não sai ileso a uma
aliteração de Caetano. “Sou seu sabiá”, música que sei que escutou outro
dia, tem o <em class="hr">sss</em> das asas do próprio pássaro, veja como dá para voar longe.</div>
<div class="gz ha ct by hb b hc hd he hf hg hh hi hj hk hl hm fb" data-selectable-paragraph="" id="b2ef" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="gz ha ct by hb b hc hd he hf hg hh hi hj hk hl hm fb" data-selectable-paragraph="" id="6ef3" style="text-align: justify;">
Com
essas pequenas sugestões, feitas ali, onde a sugestão não cabe, não se
trata exatamente de oferecer respostas nem aliviar a angústia, ainda que
o alívio da angústia e alguma resposta tenham mais chance assim. Mas de
fazer rodar o real. Com Manoel de Barros, hoje, por exemplo, pude pegar
emprestados alguns recursos, nessa minha <em class="hr">independência de algemas</em>. E bom, a escrita veio.</div>
<div class="gz ha ct by hb b hc hd he hf hg hh hi hj hk hl hm fb" data-selectable-paragraph="" id="6ef3" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="gz ha ct by hb b hc hd he hf hg hh hi hj hk hl hm fb" data-selectable-paragraph="" id="3e13" style="text-align: justify;">
Pronto: “do lugar onde estou já fui embora”.</div>
<div class="gz ha ct by hb b hc hd he hf hg hh hi hj hk hl hm fb" data-selectable-paragraph="" id="bb43" style="text-align: justify;">
São esses os deslimites da palavra.</div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-78009012459944928942020-04-21T16:30:00.003-03:002020-04-21T16:30:39.288-03:00Os dias, as horas<div style="text-align: justify;">
<span></span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa">
Dias vêm, dias vão, por aqui tentamos manter alguma normalidade. A começar pelo café da manhã, nem tão cedo que nos tire o privilégio de decidir a hora de despertar e nem tão tarde que nos faça esquecer a diferença entre terças e sábados. Ele me lê duas ou três manchetes e, não sei como consegue, argumenta com início, meio e fim, citando algum filósofo coreano que me faz precisar do google ainda antes das oito. Eu escuto, aceno entre um gole e outro, mas só processo a informação no almoço, quando devolvo uma pergunta que em geral eu mesma respondo. Ontem reparei que o sol já bate diferente na varanda e agora atinge apenas uma parte da mesa, onde coloquei aquelas plantas que precisam de mais luz. Noto que uma delas deu sinais de que precisa ser acomodada em outro canto. Até perceber o que era, quase afoguei a coitada. Mas não afoguei. Se tem uma coisa que tenho feito bem é conhecer as plantas. Antes não vingava uma e agora até o lírio, que andava todo sensível, está imponente, folhas brilhosas. Poderia até inventar um segredo importante sobre como fazer viver as plantas, mas não sei exatamente o que dá certo. Uma única dica é que acrescente mais terra quando a terra baixar - que é na verdade uma dica que veio da minha avó quando fingiu que olhou a foto da plantinha que eu trouxe do seu quintal e que mostrei por estar orgulhosa de (também) tê-la mantido viva. Aproveito os minutos de sol na varanda para manter alguma saúde (e vitamina D) e é pensando também na saúde que garanto uns pulos e abdominais dia sim, dia não. Finais de semana são dias não, preciso confessar. </div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa">
</div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa">
Os contatos exteriores estão reduzidíssimos e se não fossem os intervalos em que reinventamos o trabalho, estaríamos mergulhados num mundo nosso. Nada mal, eu diria. Nosso mundo tem cheiro de pão e Belchior na vitrola. Em toda inevitável solidão, é bom que alguém nos acompanhe em certas preocupações. É um verdadeiro privilégio quando se tem alguém, não que diga que tudo vai ficar bem, mas que teme do mundo as coisas que você também entende como assustadoras e, claro, a quem não falte coragem. Nada será mais como era antes. No mundo que se desenha, é preciso mais do que nunca saber ao lado de quem caminhar. Faço um pequeno exercício de me fazer presente para os queridos, e empresto minha voz recitando um trecho de livro aqui, uma poesia ali, porque se tem algo que pode ajudar a ultrapassar as amarguras é o afeto.</div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa">
</div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa">
Para você, nessas palavras.</div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-16533790172028576422019-11-28T08:39:00.001-03:002019-11-28T08:39:13.720-03:00Em eco<br />
<div style="text-align: justify;">
Da última vez que nos vimos eu senti o impulso de te dizer as coisas que eu queria dizer, não que soubesse exatamente quais eram. Sei que precisava deixar que saíssem como fosse possível: incompreensíveis, desajeitadas, demasiado dramáticas. A conversa não atingiu o tom sério que eu buscava e escapulir pela tangente, chistosamente, foi o que deu. Você está de certa maneira familiarizado com as minhas hesitações e gosto de achar que percebe que alguma coisa de mais substancial ainda vem, mesmo tardiamente.</div>
<div style="text-align: justify;">
O fato é que eu estava triste. E não sabia muito bem pelo quê, mas estava triste e só. Na véspera, e talvez na semana que precedeu o nosso encontro, mas ainda assim parecia véspera, havíamos sido tomados, por aqui, por uma discussão completamente exagerada. Não exagerada em seus termos, como se nos exaltássemos, mas por motivos exagerados e surpreendentemente antecipados: sofríamos de fato pelo que poderia nos acontecer, e não por algo que já nos tivesse tocando no presente. E parece que, quanto mais falávamos, menos compreendidos éramos, num desencontro sem fim. Um muro se instalou entre nós e, cada um de lado, gritava atrapalhado pelo eco de sua própria voz. E eu me calava e era como uma estrangeira que tenta decifrar as palavras pelo som sem saber, ao fim da frase, a que se ligava de início.</div>
<div style="text-align: justify;">
Depois veio aquele sonho: visitávamos minhas moradas da infância e na medida em que revirávamos as gavetas, os armários, as memórias saltavam vivas e inteiras. O jantar do natal de 2005 cheirava como nunca, nossos brinquedos espalhados no sofá da sala, o jeito de vovó demonstrar preocupação. Tudo vivo e nítido. De repente Caetano era um irmão e dedilhava uma canção nova, compondo ali, e eu sabia que deveria gravar e não perder nada, nada, nada. Mas nem deu. Me atrapalhei com o celular. Estávamos, afinal, todos emocionadíssimos. Eu sugeri que a música se chamasse <span class="_4yxp" style="font-family: inherit; font-style: italic;">Haveria coragem</span>. Caetano fez que talvez e eu acordei.</div>
<div style="text-align: justify;">
Haveria Coragem.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<br class="Apple-interchange-newline" /></div>
<br />Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-48747547064633203312018-04-09T17:43:00.000-03:002018-04-09T17:43:08.471-03:00As horas<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span class="_4yxp">O real roda e põe adiante: essas são as horas da gente</span>. É assim que Riobaldo fala do amor e é também como ele fala do sertão, o que me parece de uma similaridade assustadora. A aridez virando poesia, só nas mãos de Guimarães Rosa - e talvez nas suas. Por isso volto a te escrever.</div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
Porque eu vinha caminhando pela avenida nossa senhora da penha e fui longe nos meus pensamentos. Perdi algumas certezas, o que foi oportuno, mas também perdi o tino de perguntar e isso não é bom. Não eram as respostas que importavam. Era um <span class="_4yxp">querer saber</span> insistente. Eu disfarçava, disfarçava bem! Como é que se constrói um navio? Pra que servem os faróis? Como foi que se descobriu que ovos e trigo e óleo e açúcar e sal e cenouras, regados a chocolate, alegrariam tantos domingos? Eu disfarçava. Você nunca?</div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
Mas não dá para falar dos bolos pelas suas reações químicas, pelo fermento fazendo tudo crescer, se antes vem um cheiro de infância e o sabor lambente de memória viva. E também não é possível pensar na maquinaria de um grande navio sem interrogar aonde levam, aonde podem levar. O que podem trazer, talvez. E nem entender os faróis mais pelas suas coordenadas do que pela dúvida sempre latente: tem alguém ali?
Essas é que são as horas da gente<span class="_4yxp">. As outras, de todo tempo, são as horas de todo</span>. </div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
Como é que a gente pode querer saber de navios e não querer saber exatamente quem a gente é, no inteiriço discordante? E como é que a gente pode de fato saber?</div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-54852160228807954922017-12-17T15:09:00.003-02:002017-12-17T15:09:48.555-02:00Jão,<div data-contents="true" style="text-align: justify;">
<div class="_2cuy _3dgx" data-block="true" data-editor="97nc0" data-offset-key="6udno-0-0">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="6udno-0-0">
<span data-offset-key="6udno-0-0"><span data-text="true">Como é que você consegue ser tão displicente com as coisas que são notavelmente importantes para o outro? No último verão, enquanto caminhávamos pelo bairro para ver os ipês florirem, eu tentei te dizer e você, como sempre, não ouviu. É que você só ouve o que quer, Jão. Tem essa mania escrota. Depois, é claro que fiquei aborrecida por nunca ser ouvida e ter que aturar você reclamando das mesmas coisas, as mesmas coisas, um inferno. Eu me calei e você pensou que eu estivesse consentindo, mas a minha vontade era de dizer que você sabe bem como ser um completo babaca e colocar o outro repetidamente na mesma posição, que é a de quem faz de você um pobre coitado. Foi assim há 10 anos, no caso daquela mocinha (qual era mesmo o nome dela?), e depois todas as outras que vieram depois eram a mesma, sem tirar nem pôr. Só você não vê. Outro dia li uma entrevista em que Paulo Autran falava sobre como era para ele atuar em uma peça que ficasse muito tempo em cartaz. Diz ali que era foda (Paulo Autran não disse “foda”, mas parecia mesmo foda) usar as mesmas falas, com a mesma expressão, por muito tempo. Que depois da décima vez aquilo ali parecia que tinha vida própria, com muito menos emoção. Lembrei de você com seu teatrinho. Deve ser exaustivo ser você. </span></span></div>
</div>
<div class="_2cuy _3dgx" data-block="true" data-editor="97nc0" data-offset-key="f7e6-0-0">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="f7e6-0-0">
<span data-offset-key="f7e6-0-0"><span data-text="true">Você perde tempo com bobagem, Jão. Reclamou tanto que as flores sujavam a rua toda e manchavam os carros e, enquanto reclamava, eu tava era achando lindo demais aquele rosa espalhado no asfalto. Eu tava achando graça dos motoristas ligando os limpadores e fazendo as flores voarem pra todo lado. Cheguei a comentar na hora, mas você perde poesia por bobagem. Manchar os carros.. onde já se viu? Bobagem!</span></span></div>
</div>
<div class="_2cuy _3dgx" data-block="true" data-editor="97nc0" data-offset-key="f8ei8-0-0">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="f8ei8-0-0">
<span data-offset-key="f8ei8-0-0"><span data-text="true">Eu costumava ser menos raivosa e adorar aquelas tardes longas e cheias de trivialidades. Você se lembra de quando passamos a tarde no parque, caminhando, procurando sombra, reparando naquela criança que alimentava os patos com pipoca? Foi bom, Jão. Não era necessário falar muito e o silêncio não era desconfortável nem nada. Era fácil. Agora parece que a gente não cabe mais nos espaços, fica só a agonia e eu quero é correr. Se eu respiro fundo, você faz aquele negócio de supor que me conhece muito, muito bem. E me olha, finge que espera que eu diga da minha aflição, mas a verdade é que não quer saber de nada. Você diz que gosta das minhas histórias e de como eu reparo nessas coisas bobas, como quem dê pipoca aos patos, mas as minhas histórias servem enquanto e só enquanto for para você que eu conte. Há um tempo passei a inventar uns enredos só para ver você ser besta e acreditar que sabe de mim sem saber é de nada. Você é besta, Jão.</span></span></div>
</div>
</div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-71917499128532849322017-12-17T13:41:00.003-02:002017-12-17T13:41:42.603-02:00Oh, díos<div class="_39k5 _5s6c" style="text-align: justify;">
<div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Começando bem cedo, odeio que o telefone vibre no criado mudo enquanto o alarme toca e me desperte no susto. Iniciar o dia no susto é, na realidade, o que mais odeio. Odeio um bilhete de chefe colado na porta, precisando muito falar. Nunca se sabe o que vem. Pior ainda é flagrar o cozinheiro sendo negligente com a higiene - e ter fome. Arrisco, mas odeio. Odeio essas defesas, que mais expõem do que tudo. E repetir, repetir. Odeio não compreender o que o guri fala, mesmo ele se esforçando tanto para dizer. Só não odeio mais do que ver a menina mordendo as próprias mãos até que sangrem e eu não conseguindo acalmá-la. Odeio fantasiar por não ter coisa melhor. E ter ressaca no domingo, perdendo o dia de sol. Odeio nunca me lembrar o nome do porteiro (e que ele saiba tanto) e odeio as demoras. Todas.</span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Odeio o ato falho que atrapalha o disfarce todo. (Ouvir é irreversível). O constrangimento tomando conta e não tendo jeito. O 3G falhando no meio de uma música urgente, as mensagens de voz que não carregam, enviar e me arrepender e não poder voltar atrás. Odeio. Almoço desmarcado em cima da hora e eu não ter feito as compras da semana. Os panfletos colocados no para-brisa e a chuva colando tudo no vidro. O carro da frente jogando lixo pela janela, senhores idosos atravessando fora da faixa de pedestre. Odeio a agonia que dá, ver os senhores idosos tentando correr e não conseguindo e o carro vindo, o carro vindo. </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Oh, Díos, os ódios. </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Essa dor no pescoço que não passa e a cabeça que não para, odeio, mais do que acordar no susto, mais do que acordar no frio e ter que levantar, mais do que a água do chuveiro demorar para esquentar. Um pouco menos do que quando preciso dizer algo muito muito importante, um posicionamento firme, decisivo, momento crucial, e gaguejo. </span></div>
</div>
</div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-7016567203692240692017-08-08T21:36:00.001-03:002017-08-08T21:36:09.743-03:00O não se sabe quando<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">Talvez enquanto ouvia as histórias de minha mãe sobre sua infância e ela
repetiu aquela de quando, na primeira entrevista de emprego, aos treze,
usava o par de sapatos, herança da herança de não se sabe quem, e com o
pé direito escondia os furos do esquerdo. Se com esta manobra, além dos
furos, escondia a pobreza, a fome da família, as marcas do trabalho
excessivo já naquela idade, e, com a risada ao contar, escondia a dor,
não sei. Algo mudou. Se não foi isso, talvez o rapaz brincando com o
cachorro através do portão, naquele contorcionismo divertido, lambidas
entre gretas, eu de longe quase indo lá. Uma despedida longa: vai,
late, volta, lambe. E eu, de longe, quase indo lá. Algo mudou.
Não sei quando. Se foi o cara de Moçambique tocando kalimba na Place
d’Italie e eu gostando demais, se foram as notícias de casa enquanto
estava lá, mais palavras do que memórias, mais surpresas do que motivos,
mais nada. Ou se, voltando, foi essa possibilidade de ser completamente
outra, sendo exatamente a mesma. E teve também aquele dia, ouvindo
alguém desistir da vida aos poucos, quando quis citar Bernardo Soares
pra ver se, como para mim, a poesia teria este efeito<span class="_4yxp"> facilita-dor</span>.
E teve! É difícil saber quando foi. O novo fio branco que surgiu
anteontem, um aborrecimento ou dois a troco de nada, perder amigos em
plena terça, almoçar o churros da esquina sem culpa, a criança que se
recusa a falar me olhar pela primeira vez, abrir o vinho francês e tomar
com doritos, caminhar para o trabalho e descobrir que agora consertam
brinquedos no número quatrocentos e trinta e alguma coisa da avenida
nossa senhora da penha ou outra banalidade qualquer, nunca se sabe o que
foi. Talvez, hoje, a pausa nos estudos para te escrever. Tomara.</span></div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-26955526691208349792017-05-10T21:23:00.001-03:002017-05-10T21:29:47.360-03:00Do bom de dima<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">são 20:36 e o dia foi longo. Comecei cedo, pouco antes de acordar, quando sonhei com Dima e nossa infância. Sonho curto, mas bastou para me lembrar de como eu era rígida já naqueles tempos e de como não me perdoava. Nunca perdoei. E nem era ocasião de pecado nem falta grave, que se perdoa ou não se perdoa, eram essas coisas... da gente com a gente mesmo. Teve uma vez que, toda <span class="_4yxp">duvidosa</span>, enfrentei Deus e pedi sinal, se tava ouvindo ou não tava. Se nunca fez, não faça. De resposta, foram três pontos no queixo, sangue pingando na blusa. Puta sacanagem. Não podia ser estrela cadente, telefonema de parente distante, encontrar moeda no chão? Desacreditei ali. Cruel desse jeito, nem merece reza...</span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Depois de lembrar de Dima, quis saber dela e soube. Casou, viu? Tá feliz. Acho. E estou te contando isso que é pra gente ter esperança, não de casar, que isso é bobagem e você, que casou, sabe melhor do que eu. É esperança de ter incertezas. Dima tinha tudo pra ser o que eu achei que ela seria, e não foi. Coisa boa é errar quando se acha o ruim. Quando se acha o bom, aí é ótimo acertar. Faz que nem se fosse um plano que deu certo... ou festeja a surpresa e pronto. Quando se acha o bom, é assim. Mas nem sempre dá. </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Eu era rígida e ainda nem era gente, e agora que sou mais gente do que antes, tá duro. Muito duro. Te disse, nunca perdoei. E mesmo agora, falando de Dima e de como eu achava o ruim pra ela, já estou eu não me perdoando de novo. Por que é que ela fazia aquelas coisas, de parecer que não ia ser feliz nunca? Eu, heim. Aprendi com Dima a ter incertezas. Estou aprendendo. Acho.</span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Ter incertezas não é pra qualquer um. Ter incertezas não é como essa gente faz, quando se faz de humilde, de falar que não sabe porque acha bonito é não saber. Ter incertezas é, no fundo da alma, acordar depois de sonhar com Dima, saber que ela foi o bom, e não o ruim que você achou, e continuar achando sobre as coisas. Incerteza é isso. É poder acordar e descobrir e continuar achando.</span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">E não acaba nunca.</span></div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-69431242184956036762017-05-09T11:18:00.001-03:002017-05-09T11:18:22.701-03:00Do asco<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">E o que é que temos feito de nós?</span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"> </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">Vou te contar sobre a podridão do mundo e seus cheiros, deixar surgir o asqueroso e vil, o inoportuno e nosso. Recitar estrofes dissonantes, com voz estridente e fazer ouvir o que nem quem <i><span class="_4yxp">a-quem-se-paga-para-ouvir</span></i> quer: o submundo dos prazeres que doem. A carne fraca que não goza. O sujo, o limitado, o pouco. Pouco demais. </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"> </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">Vamos falar sobre as manhãs de ressaca, não depois das noites festivas, mas do sono roubado pela angústia pura. Da taquicardia sem nome. Do indizível. Vamos ficar às voltas com ele por horas e horas. </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"> </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">Se for possível, vamos confessar o inconfessável, o superegoico, o segredo das nossas humanidades. Se for possível, vamos também nos reconhecer nelas. Vamos nos encontrar inteiros na pequenez do dia a dia miúdo e inútil do outro, ocupado demais em existir e só. </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"> </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">Vamos gritar essas coisas que ignoramos na ousadia de viver as nossas bobagens mais banais. Pensar na morte das flores quando arrancadas do chão para compor buquês. Pensar na injustiça, nas prisões (que são dentro da gente), na sujeira por debaixo dos pés. </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"> </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">Falar disso. Para não precisar mais. </span></div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-83872913542355404952017-04-13T17:46:00.001-03:002017-05-09T11:19:16.947-03:00Aos olhos de Luísa<div style="text-align: justify;">
Junto as mãos em concha e, aos olhos de Luísa, viro um Jacaré faminto. No mesmo instante, vem uma mãozinha minúscula, ainda descoordenada, que mal sabe brincar mas já aceita o jogo, dando-se a comer. Sou aí um Jacaré insaciável e divertidíssimo. Os olhinhos (inteiros do pai) se apertam e riem mais do que a boca - puro deleite - até que um estranho qualquer, capturado pela graça espontânea da nossa pequena, roube seu olhar rapidamente. Luísa não perde nada e se faz irresistível nas lojas e restaurantes, deixando sempre as compras e os pratos para depois.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
É preciso escrever para que eu me lembre sempre das sutilezas de um amor que, de tão grande, talvez passe a ser banal. (A gente se acostuma e já não se surpreende mais). É preciso também escrever para que mais tarde Luísa saiba como era quando ainda estava virando gente, descobrindo o mundo, tomando para si as nossas (muitas) palavras. Precoce, insiste em manter-se de pé quando ainda não sabe muito bem o que fazer com isso. Tão curiosa, quer aprender tudo! Fixa os olhinhos na novidade e quase posso enxergar milhões de conexões neuronais acontecendo ali. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Para uma criança que quer tanto viver, a cada semana são muitas conquistas e eu, a tia superocupada, ao fim delas (das semanas, não das conquistas), perdi um tanto. A fruta preferida já não é mais, descobriu um desenho mais interessante, que só não ganha do cangote do pai, a avó arquitetou uma nova posição para ninar e veja bem como o repertório musical de sua mãe cresceu!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Dorme, Luísa, dorme sossegada, que amanhã a dona aranha ainda subirá pela parede, a casa continuará infestada (da) de florzinha e olha o rouxinol rimando outra vez!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Cresce, Luísa, mas cresce devagar que é pra caber no colo mais tempo, pra ser criança mais tempo, pra querer sempre mais.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Voa, Luísa, que o mundo é grande...</div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-64353080647190815012016-12-27T07:47:00.003-02:002016-12-27T07:47:43.031-02:00O desejo irrefreável do rei<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Veio o golfinho do meio do mar roxo, veio sorrindo pra mim. Apontou o céu com o bico, indicando o sol - ou um perigo (eu não entendi). Um brilho imenso ofusca os olhos, que, fechados, ainda veem. No mar, o silêncio é doce e sua força, ao mesmo tempo, destrói e forma os corais. Soube outro dia que, no Sul da Bahia, tem um coração a sete quilômetros da costa e suponho que seja só na Bahia que essas coisas acontecem. A Bahia tem alguma coisa de indecifrável. A Bahia é Deus sendo vaidoso demais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Por falar em vaidade, morre-se disto. Foi o que descobri e achei que precisava te contar a verdade. E se você quiser saber mais, consta nos autos (nas bulas, nos dogmas) que, quando não mata, engorda. Vaidade é fúria devorante. Engole o outro, engole a gente, corta a carne, sangra tudo. No início, é desejo irrefreável de rei: segurar o mundo com as mãos, dobrar pequenininho, fazer caber nos bolsos, pintar as beiradas de azul. No fim, o rei está nu. É preciso a coragem dos tolos para dizer.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os tolos, também no jogo, são os que mostram as cartas em vez de escondê-las. Mas aqueles que dominam a arte do blefe mostram o que, na verdade, não têm. Mostram e não mostram, portanto. E é nisto que estão sempre empenhados. Fico entre o rei e o tolo, half to half – o que não quer dizer absolutamente nada. Sem tática, com tática, é sempre possível perder ou ganhar, é imprevisível.</span></div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-81921799889732510042016-11-12T13:55:00.003-02:002017-05-09T11:21:40.305-03:00Presságios<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="color: #454545; font-size: 16px; text-decoration: -webkit-letterpress;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Minha mãe sempre diz que é possível saber quando vai chover pelo vapor dos alimentos quando saídos do forno para a mesa. Eu chamava isso de presságio, mas não é bem um presságio, são os pequeníssimos sinais que antecedem as coisas. Basta ter olhos para ver. </span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="color: #454545; font-size: 16px; text-decoration: -webkit-letterpress;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="color: #454545; font-size: 16px; text-decoration: -webkit-letterpress;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Sinais, como quando assisti ao Amélie Poulain pela primeira vez e amei, quis que João assistisse, mas antes que ela encontrasse a caixinha no esconderijo, ele dormiu. Ou então quando durante uma conversa José falava dos pretos e baixou o tom de voz para falar pretos. Antes que ele terminasse de falar, eu percebi que seu tom de pretos não era como o de dona Canô falando de Gil a Caetano ~ venha ver aquele preto que você gosta ~ e, além disso, percebi que não conseguiria fingir que não ouvi e levar a vida ao lado de alguém que não goste de pretos e, principalmente, que tenha a cor da pele como critério para gostar ou não gostar de alguém. </span></span></span></span></div>
<div style="color: #454545; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></span></div>
<div style="color: #454545; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Sinais, como a minha taquicardia pela manhã quando estou me permitindo amar e nem tinha percebido. (Neste caso, acabo achando que é sinal de que deu a hora de fugir, mas um dia isso muda - é o que o Paulo diz). </span></span></span></div>
<div style="color: #454545; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></span></div>
<div style="color: #454545; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Da última vez, você convocou os ares de decisão (ou tudo ou nada) e mesmo para mim ainda é enigmática a razão pela qual embarquei e saí decidindo coisas. Enquanto espelho, o olhar do outro é um perigo. Basta um deslocamento e a gente já não se reconhece mais. A imagem se quebra, é estilhaço na estrada: não é nada, não é nada.</span></span></span></div>
<div style="color: #454545; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></span></div>
<div style="color: #454545; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Diante dos últimos acontecimentos a escrita ficou em suspenso e não saía nada. Mas segui seu conselho, vim falar da prosa dos dias, da concretude da vida, pegar o peso do mundo e fazer dele peso pra papel-onde escrevo estas palavras. </span></span></span></div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-47672699303882329132016-10-09T18:22:00.005-03:002016-10-09T18:22:40.158-03:00Quereres<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">Enquanto nina Luísa pela sala, Paula entoa baixinho um <span class="_4yxp">meu chapéu tem três pontas, três pontas tem o meu chapéu</span>, vacilante em relação ao número de pontas, é verdade, mas com uma doçura maternal já conhecida por nós. Naquela canção, estou em casa. </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"> </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">A voz de mamãe surge nas nossas memórias e enche a sala, preenche tudo. A melodia acalenta Luísa num instante - voz de sereia, mas não só nela o efeito maternante se dá. Estamos as duas, as três, seguras, numa história de cuidado e cheia de afetos que faz de Paula, agora, uma mãe que sabe aninhar um filho em seus braços, faz de mim (por enquanto) uma mulher que sabe a importância deste canto e empresta a voz, os ouvidos a quem deles precisa, numa função que, neste caso, não é materna, mas de um <span class="_4yxp">terceiro </span>acolhedor. Ali, no <span class="_4yxp">só-depois</span>, todas as escolhas fazem sentido, como se fosse possível dizer que nascemos para isso, ou para aquilo.</span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"> </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">Tenho me aprofundado nas teorias que falam de amor, porque descobri que o amor pode tudo, até ser estudado. Que dos laços com o Outro a gente é feito e sem eles a gente se perde da gente, quando não morre. Que o corpo da gente tem mil palavras por todo canto, e eu grifei o resumo delas em tinta preta, letra de mão, pra nunca me esquecer. <span class="_4yxp">Quereres</span>. Plurais, muitos, pequenos ou gigantes, tanto faz. Quereres, que sempre que leio confundo com <span class="_4yxp">Que queres?</span>, o que não é à toa. </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"> </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">A gente não sabe, a gente não sabe. E é por não saber que a gente vive arriscando adivinhar, a gente vive arriscando, a gente vive. </span></div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-51088712409174723302016-09-22T17:03:00.000-03:002016-09-22T17:42:36.366-03:00O que aprendo com Angela<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Encontro Angela semanalmente após o almoço. Ela se levanta meio lenta (a pressa é um problema todo meu) e me recebe com um sorrisão, pergunta se já almocei. Angela me descreve sua marmita do dia, seu peristaltismo (mas não chama assim) - pra ver se finalmente entendo que nosso horário de sempre é péssimo-, e me mostra as últimas cores lançadas. Quer saber se meu humor está para o azul claro da revista. Digo que não. Nude. Ela ri. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Angela me mostra a foto de seu neto e de suas filhas adolescentes, que agora vendem Avon - caso eu queira conferir as ofertas. Já conheço sua história de luta e de como fez para vir da Bahia sozinha com as meninas depois que o marido foi embora. Mulher forte. Pergunto pela nona vez, apesar de saber, de que cidade mesmo Angela veio, só porque gosto de como ela resgata seu sotaque lindo para me dizer. Tem que ir lá, Nanda. Terra boa!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Angela faz unhas e massagens. Agora também está aprendendo a fazer drenagem linfática, e está encantada pelo fato de o corpo acumular e expelir toxinas. Acha o corpo uma máquina das mais porretas. Eu concordo. Ela é muito boa no que faz. Mais de uma vez falei que ela merece um espaço só dela, que aquela porcentagem não é justa - mas a pressa continua sendo toda minha. Angela diz que tudo tem seu tempo e que, acabando o curso de cupcake da caçula, a renda vai aumentar. Se pudesse, vivia era de fazer cocada. Tem mão boa pra isso. Salivo ouvindo sobre os sete ou oito sabores mais vendidos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Conto para Angela minhas últimas aventuras e ela se esquece das cutículas, rindo-se toda e dizendo quantos ôxes são possíveis de se ouvir numa aventura tão breve. Ela diz que a mulher precisa ser amada, senão o corpo enferruja e isso não é bom pra saúde. Por falar em saúde, achou minhas mãos pouco hidratadas e recomendou beber mais água. Ou suco. Refrigerante não, que acumula toxinas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Baixinho, conta que ela mesma tem encontrado um galego depois das dezoito e que tá é bom. Comemoro, meio boba, querendo ver Angela bem, e ôxe! Manda eu deixar de ser besta. Aquilo ali é só farra. Do marido, só sentiu falta da máquina de ralar coco. Tem que provar dessa cocada que eu sei fazer. </span></div>
<div>
<br /></div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-52691228532631841762016-09-09T09:53:00.002-03:002016-09-09T09:53:20.416-03:00Para Malu Chegar.<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">Maria Luísa, minha sobrinha</span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">Você ainda nem nasceu e já está na família há meses. Eu disse meses, mas talvez esteja há anos, muitos anos, quando Paula e eu brincávamos de boneca e não sabíamos que tratava-se de uma antecipação. E se não for de tão longe, será pelo menos desde que, passeando pela Praia de Itapoã, seus pais brincaram com alguma outra criança suja de areia, precisando de protetor solar, enfrentando o medo do mar.</span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">O mar. Você vai conhecer o mar logo, logo. Talvez antes de aprender a andar, já terá aprendido sobre as profundezas, sobre desviar das ondas, sobre fugir dos perigos. Preste atenção, ensinamentos de mar são importantes e serão úteis por toda a vida. Até que tenha coragem para enfrentar os perigos sozinha, não faltarão mãos enlaçadas às suas, nem o olhar atento de vó ali da beira, pronta. </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">E por falar em perigos, Malu, não se assuste com o que vou dizer: serão muitos. A vida é cheia deles para quem se arrisca. Sua mãe diz que você é delicada, porque ali de dentro você se faz sutil em sua presença. Delicada é bom. Que a delicadeza não te falte nunca, no olhar para as pessoas, nos seus movimentos, nas palavras que saem de sua boca. Que seja possível manter a delicadeza mesmo quando a vida exige que a gente berre. E que seja possível ser firme sem perder a doçura e forte sem perder a graça. </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">Que tenha saúde, Malu, saúde sempre. E que tenha alegria com coisas simples: vendo uma fileira de formigas, o sol se pondo no horizonte, pintando os desenhos do seu pai, sentindo os cheiros que saem da cozinha da vovó. </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">Aqui a espera é muita. Estamos cheios de planos e ansiosos para ver você crescer e ter os seus. </span></div>
<div class="_2cuy _3dgx _2vxa" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;">Amor,</span></div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-64629088376574935412016-08-19T19:39:00.003-03:002016-08-19T19:40:11.418-03:00Ilibada<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify;">
Você pareceu surpreso quando, naquela madrugada, chegaram mil mensagens com planos, muitos planos, minha afobação e pressa, um desejo de concretude das coisas que até então estavam só na imaginação. Interrogou meu sono, muito querendo saber o que me faz perdê-lo, e disse que não esperava ver-me assim, vulnerável. <i>Ilibada</i>, foi a palavra que você usou. <i>Diga você, que é ilibada, o que te tira o sono</i>.</div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify;">
Vou te dizer uma coisa, vou te dizer muitas coisas, mas não pense ser uma tentativa de te convencer de que sou ou de que não sou, seja lá o que for. Estive apenas tentando compreender em que momento desta minha loucura toda ainda consegui, sem saber que o fazia, parecer<i>ilibada</i> ou, que seja, do tipo que não se afeta com as coisas.</div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify;">
Ontem, por exemplo, o noticiário mostrava a cena em que uma criança síria era resgatada dos destroços de uma explosão e parecia resignada. Uma criança resignada, nos destroços. Isto me tira o sono. Por que não chora, esta criança? Quem se acostuma ao desamparo? Eu não.</div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify;">
Por falar em desamparo, na noite passada tive de novo aquele sonho. Sonhos de repetição são sempre perturbadores. Estamos todos ali, procurando uns aos outros em meio ao caos, à espera de um tsunami que sabemos fatal, e que já vem, e não nos encontramos. Sempre falta alguém. E eu corro, eu corro demais, e não há esconderijo que dê conta e não estamos juntos. Que diabos é isso, além do óbvio?</div>
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E para mostrar que nem precisa de tanto, roí as unhas por causa de uma reunião que nem chegou a acontecer. Pelas coisas que tenho a dizer, mas ainda não é a hora. É preciso ser sutil e muito ouvir para saber a melhor maneira de falar. Ouvir é uma arte. Fazer-se ouvir é um desafio.</div>
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E você? Dorme bem?</div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4000530742161940736.post-57136315931000607362016-08-01T20:55:00.001-03:002016-08-01T20:55:09.947-03:00Só o precinecessário<div class="_2cuy _3dgx" data-block="true" data-editor="2llj3" data-offset-key="1dnk8-0-0" style="text-align: justify;">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="1dnk8-0-0">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span data-offset-key="1dnk8-0-0"><span data-text="true">Se não escrevi antes foi porque não achei justo endereçar a você as minhas agonias, fazer você ter que lidar com elas, reler minhas frases quase sem sentido, supor sensações novas, reconhecer antigas, dar resposta ao que eu sei que não tem resposta. E não precisa ter. Vamos combinar assim: faremos disso um monólogo e seremos espectadoras de nós, como na verdade é a única possibilidade. Você me diz da sua vontade de ser outra, e eu nada posso fazer par ajudá-la a não ser dizer que seja. Que acorde promíscua um dia e dê telefonemas tanto-faz-para-quem. Que sinta, às 10h30, uma vontade súbita de rezar, entre na primeira igreja que cruzar o seu caminho e faça promessas de nunca-mais-todas-as-coisas. Que decida, antes de dormir, chorar mais e sem pudor. E acorde achando bobagem demais. </span></span></span></div>
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<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span data-offset-key="1dnk8-0-0"><span data-text="true"> </span></span></span></div>
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<div class="_2cuy _3dgx" data-block="true" data-editor="2llj3" data-offset-key="5e2lo-0-0" style="text-align: justify;">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="5e2lo-0-0">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span data-offset-key="5e2lo-0-0"><span data-text="true">A essa altura você já sabe que </span></span><span data-offset-key="5e2lo-0-1" style="font-style: italic;"><span data-text="true">tu não te moves de ti</span></span><span data-offset-key="5e2lo-0-2"><span data-text="true">, não importa o que faça. Mas não, não fique triste! Do mesmo lugar é possível esticar os braços e parecer mais alta. Abrir os braços, oferecer um abraço. Agachar e se esconder. Do mesmo lugar é possível gritar forte e fazer-se ouvir. É possível, juro. Sem mover nem um pé do chão, é possível retocar o batom e descer o decote. É possível fazer coisas. Sem mover-se um centímetro sequer, é possível ofender alguém. E, entre tantas outras coisas, é possível amar. Amar bastante. Amar até demais. Sendo você mesma, é muito possível se reinventar.</span></span></span></div>
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="5e2lo-0-0">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span data-offset-key="5e2lo-0-2"><span data-text="true"> </span></span></span></div>
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="5e2lo-0-0">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span data-offset-key="5e2lo-0-2"><span data-text="true">Mas antes, é </span></span><span data-offset-key="5e2lo-0-3" style="font-style: italic;"><span data-text="true">precinecessário</span></span><span data-offset-key="5e2lo-0-4"><span data-text="true"> que se perdoe. Perdoe suas manias irritantes, sua dificuldade de fazer contas, sua impaciência com os mais jovens, sua intolerância com outros gêneros musicais, seus furos. Deixe para lá o rigor, perdoe se o mau humor dominar a manhã. Acontece. Perdoe suas coisinhas, é muito importante que perdoe suas coisinhas. Não deixe de perdoar também essas ideias que você tem de infinito, de profundezas dos átomos e de partículas subatômicas. Você não precisa de nada disso. Deixe para os físicos, tem razão. </span></span></span></div>
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="5e2lo-0-0">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span data-offset-key="5e2lo-0-4"><span data-text="true"> </span></span></span></div>
</div>
<div class="_2cuy _3dgx" data-block="true" data-editor="2llj3" data-offset-key="2inr6-0-0" style="text-align: justify;">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="2inr6-0-0">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span data-offset-key="2inr6-0-0"><span data-text="true">Pensar, mesmo no infinito, não te leva muito longe e ainda te distancia do que precisa ser visto e está perto, ao alcance dos olhos: as castanheiras estão fazendo muda e para andar nas calçadas é preciso mergulhar os pés nas folhas. É preciso mergulhar sem medo de bichos e buracos, para atravessar as castanheiras. E logo mais estão os ipês, que me lembram a páscoa e estamos em agosto. Ao alcance das mãos está minha sobrinha, soluçando, e ainda nem nasceu. Ao seu lado, picaria se fosse cobra, a vida acontecendo, a gente querendo, querendo, não cansando de querer. </span></span></span></div>
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="2inr6-0-0">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span data-offset-key="2inr6-0-0"><span data-text="true"> </span></span></span></div>
</div>
<div class="_2cuy _3dgx" data-block="true" data-editor="2llj3" data-offset-key="9c3i7-0-0" style="text-align: justify;">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="9c3i7-0-0">
<span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span data-offset-key="9c3i7-0-0"><span data-text="true">Preste atenção.
É preciso estar parado para ver bem. </span></span></span></div>
</div>
Fernandahttp://www.blogger.com/profile/13776481071996020365noreply@blogger.com0