Guimarães Rosa, que é quem sempre me socorre nos momentos mais difíceis, diz, tão atual, que qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Foi a primeira coisa que me veio à cabeça quando recebi a sua carta. Por isso veio tão bem-vinda. As nossas palavras são um respiro no meio de tudo isso. Que bom que nessa rotina sem pausas e com tão poucas ausências você conseguiu um tempo para me escrever.
Alguns dias permitem um
mínimo de e-laboração (neologismo que veio a calhar), mas em geral a
angústia se instala como um elefante na sala. As tarefas de casa, as
notícias na TV, esse trabalho improvisado, os medos, as incertezas. Mal
dormir, acordar. Reparando
bem nas pessoas, penso que não estou sozinha espremida entre tromba e
patas. “My sweet quarantine” está cheia de insônias por aí, não tenho a
menor dúvida. Tenho pensado muito nesse movimento, principalmente
escutando as pessoas em análise, cada um com seu estilo e condições,
criando recursos. Há quem esteja num mergulho narcísico desolador, há
quem padeça da impotência diante do mundo e das coisas como vão.
De
alguma maneira, escancarou-se o desamparo, única coisa que faz de nós
irmãos. Quando os privilégios são muitos, são pequenos conflitos e o
tédio, quem diria, que balizam essa experiência sem nome. Nos casos mais
graves, é mesmo a morte, impiedosa e ágil. Na nossa recusa fundamental
em encarar nossos limites, a possibilidade da morte, a cruel
mesquinharia capitalista, a absurda desigualdade que nos cerca, esse
limite se impõe. Com muita cautela e sorte, talvez possamos aos poucos
(não depois que tudo passar, como vínhamos dizendo, porque sabemos não
ser coisa que passe) reinventar nossa existência. Sem a ingenuidade de
sonhar com um mundo outro, mas um mundo em que nós possamos ser outros.
Eu, você… alguns de nós.
Nada será como antes, é verdade.
Mas não é como se as coisas estivessem indo bem.