“Ando
muito completo de vazios” é a forma como Manoel de Barros inicia um dos
versos mais bonitos que já li na vida. Atemporal, como todo grande
poeta, ele consegue exprimir em umas poucas linhas a sensação das
últimas semanas inteiras.
Com
uma produção onírica insistente, tenho acordado exausta. Nessa manhã,
imediatamente após o abrir dos olhos, lembrei-me deste verso em
específico, o quarto de Os deslimites da palavra, que diz não posso mais saber quando amanheço ontem. Talvez pela
confusão temporal que se impõe, talvez pela revivescência sazonal de
sentimentos complexos ao longo da semana. Invejei, de alguma maneira, a
habilidade do poeta em listar os princípios do que chama “didática da
invenção”. Manoel de Barros nos instiga a capturar a voz de um peixe ou a palavra que sirva na boca dos passarinhos ou, de uma beleza sem nome, uma palavra para compor silêncios.
Nesse ponto, acho que temos algo em comum. É exatamente com o suporte
da palavra que a psicanálise nos permite uma aproximação com os poetas:
apanhadores de desperdício, amantes de restos.
Às
pessoas que escuto, quando sinto que há nós contorcendo frases, tenho
recomendado a leitura dos grandes. Manoel de Barros, Guimarães Rosa e
Mia Couto são ótimos desembaraçadores desse tipo de nó. Igualmente, uma
boa música é capaz de liberar espaços, como um abre-caminhos para a
libido. Ninguém sai ileso ao encontro entre Diadorim e Riobaldo no
imenso sertão (que é dentro da gente), assim como não sai ileso a uma
aliteração de Caetano. “Sou seu sabiá”, música que sei que escutou outro
dia, tem o sss das asas do próprio pássaro, veja como dá para voar longe.
Com
essas pequenas sugestões, feitas ali, onde a sugestão não cabe, não se
trata exatamente de oferecer respostas nem aliviar a angústia, ainda que
o alívio da angústia e alguma resposta tenham mais chance assim. Mas de
fazer rodar o real. Com Manoel de Barros, hoje, por exemplo, pude pegar
emprestados alguns recursos, nessa minha independência de algemas. E bom, a escrita veio.
Pronto: “do lugar onde estou já fui embora”.
São esses os deslimites da palavra.
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