quinta-feira, 29 de abril de 2010

Uma Aprendizagem

"(...) E então você não quis mais nada disso. E parou com a possibilidade de dor o que nunca se faz impunemente. Apenas parou e nada encontrou além disso. Eu não digo que tenha muito, mas tenho ainda a procura intensa e uma esperança violenta. Não esta sua voz baixa e doce. E eu não choro, se for preciso um dia eu grito, Lóri. Estou em plena luta e muito mais perto do que se chama de pobre vitória humana do que você, mas é vitória. Eu já poderia ter você com o meu corpo e minha alma. Esperarei nem que sejam anos que você também tenha corpo e alma para amar. Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira. Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia.
Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos o que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.
Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a isso tudo consideramos a vitória nossa de cada dia."


Ou o livro dos prazeres. Clarice Lispector.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Associações Livres

(Eu seguia dizendo das minhas reviravoltas).
Revira-volta.
Revirar...
Voltar...

sábado, 24 de abril de 2010

De doer.

Ele me fazia ouvir explicações que eu não queria e saber de coisas do céu e da terra que ninguém percebe. Falava sobre como as pessoas se parecem umas com as outras na mesquinharia, mas de como são diferentes na forma de amar. Tinha ternura pelos meus antepassados, caçoava de mim e repetia que eu tinha mania de duvidar de tudo, que não podia ser assim, que na vida a gente precisa de certezas. Ele mesmo não tinha uma sequer. Quando eu inventava uma vida, lá na frente ele me alertava de que as coisas tinham sido diferentes. Que minha imaginação, ah, minha imaginação!

Ele chegou sem avisar e ficou. Foi muito cauteloso com as respostas que eu exigia, isso não posso negar. Mas eu não parava de ter perguntas. Citava exemplos, contava histórias e eu não perdia nada. Pedia que ele me dissesse quem eu era, porque achava bonito ele achar as pessoas elegantes ou criteriosas e outros adjetivos que ninguém usa.

Com ele descobri que não é mentira, que quando a gente se encanta o coração palpita diferente. E que pode acontecer de ter medo e de fugir. E que a vida é de palpitar, ter medo, fugir, a vida é isso tudo. É de mudança, de deixar para trás. A vida é de doer.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Minto:

As minhas sensações ainda se revezam tão depressa...

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Hoje...

O que geralmente é simples, para mim era difícil como um parto em hora errada. Dificilmente dava nome às minhas sensações porque não as conhecia. E não conhecer as sensações fazia com que fossem novas a todo instante e tudo passava a ser uma inquietação como a das últimas vezes de tantas coisas. Então invejava os que nem sabiam que sentiam.

Por outras razões continuo invejando tantos outros, porque somos feitos de meias virtudes, você e eu. Nunca uma virtude inteira. Nós nascemos para ser fracos e não contar a ninguém. Nascemos para sobreviver apesar de. E gostar disso e continuar vivendo. Nós viemos ao mundo para ter a certeza de que nele não ficaríamos por muito tempo, no entanto fomos ficando, ficando, ficando e morremos mais vezes do que o planejado. E amamos mais do que o planejado também.

Mas hoje, que as sensações já não se revezam tão depressa e posso descrever uma a uma, e que aprendi a chorar e a sorrir por motivos mais nobres (e não há motivos que sejam menos nobres)...

sábado, 17 de abril de 2010

Mais além


"É preciso força pra sonhar e perceber
Que a estrada vai além do que se vê..."

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Bem leve leve, releve.

Ela vivia me perguntando se eu levava a vida que queria, se aqueles eram mesmo os meus planos, se quando me deitava para dormir eu tinha a certeza de que estava realizada. Eu tinha vontade de dizer que sim, que a vida podia ser melhor mas que eu não queria que mexessem nela, porque do jeito que estava já me bastava, mesmo tendo um plano aqui, um sonho ali. As pessoas que me cercavam eram boas pessoas, meu desejo tava redondinho, bem trabalhado, eu sabia onde estava pisando e do que abria mão quando fazia algumas das minhas escolhas e isso tudo junto não me angustiava tanto. Dava pra levar. E levava bem, bem disciplinada, bem contentinha, bem. Ficava feliz até. E achava bonito que o peso todo que carregava antes agora não pesasse nada, nada e que meus problemas agora fossem probleminhas banais, coisa do dia-a-dia, de contas a pagar, de cansaço do trabalho, de tristeza de ter que lidar com a tristeza dos outros.
Ela me ouvia e balançava a cabeça dizendo que sim, que acreditava. E eu sabia que ela queria perguntar mais, mas eu tinha medo de dizer o contrário, de deixar escapar alguma coisa na minha prolixidade. Porque nessas horas, de respostas importantes, eu ficava um pouco prolixa (e arrisco dizer que todo mundo fica)...
Mais de uma vez ela me perguntou sobre a minha felicidade. Eu estranhava, ora pensando que ela queria falar dela mesma e não tinha coragem, ora pensando que ela devia ver alguma coisa que eu não via ou ouvir o que eu ainda não podia ouvir. Mas não era nada disso. Dizia que gostava de saber o que as pessoas respondem nessas horas porque sentia que havia certo desconcerto nelas quando questionadas sobre a felicidade. "Não é verdade que parece que a gente tá sempre mentindo?"

E aí era eu quem ouvia e balançava a cabeça dizendo que sim.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Deus

Tenho que confessar que desde muito nova trago comigo certos conflitos com as divindades. De mãe luterana e pai católico, era-me permitido experimentar as mais diversas denominações, desde que não fossem macumba, porque disso eles tinham medo. Frequentei cultos de evangélicos vizinhos porque as crianças todas frequentavam. Fui batizada aos 13 e ninguém entendeu bem a razão (de não ter sido batizada antes e também de, já que cheguei até ali, por que diabos - ops - inventaram de mexer com isso). Mas o fato é que fui batizada para poder fazer a primeira comunhão e disso tudo só me lembro do terror da confissão. Não que tivesse muitos pecados, mas não sabia o que seria considerado muito ruim e quando você precisa se confessar, espera-se que você tenha algo horroroso para dizer.

Eu duvidava vez ou outra de que pudesse mesmo existir Deus, meio barbudo, ouvindo tudo e sabendo de tudo. E eu brincava com isso, ignorava, interrompia uma reza na metade por preguiça ou porque meus pensamentos já tinham me levado para um outro lugar, e também porque eu ouvia as pessoas dizerem que o correto era só agradecer, agradecer e agradecer sempre. E eu tinha uma lista de pedidos.

Lá pelas tantas, ainda na escola, desci as escadas pensando que se Deus existisse eu encontraria um mocinho por quem tinha uns certos afetos. E eu encontrei. Um pouquinho depois, que alguma coisa aconteceria comigo se Deus existisse. E eu sofri uma queda que me rendeu três pontos no queixo.


Achei Deus muito perigoso. Parei de brincar com essas coisas.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Clarice Lispector e eu

Clarice me aconselhava sempre a ficar de vez em quando sozinha, para não ser submergida. E dizia que até o amor excessivo dos outros poderia submergir uma pessoa. Sabe, antes eu era de acreditar nessas coisas que ela me dizia e seguia bonitinha. Achava que Clarice era avançada nas questões humanas, e que eu, que tinha muito (tudo) o que aprender, estava dando uma de esperta sugando dela as respostas para as minhas questões.


No começo eu achava lindo seguir Clarice. Depois tive raiva, porque não eram mais bons conselhos e, de segui-los por toda a vida, ficou difícil me desvencilhar deles. E quando a solidão veio, e ela vem mesmo, eu saí em retirada buscando as pessoas. Comecei pelas mais queridas, porque no meu vício de falar eu precisava de ouvintes e talvez até de alguém que me servisse de guru, respondendo ao que ouvia. Eu perguntava se era assim com a maioria, se as pessoas poderiam ser felizes depois de perder um grande amor, se pode ser possível encontrar alguém que complete você bem direitinho, enchendo a vida da mais pura paz.


Você sabe que uma coisa admirável nas pessoas queridas que servem de ouvintes-de-todo coração é que elas não precisam embarcar na sua fantasia boba. E não precisam mentir ou dizer que você será completa e muitíssimo feliz. Elas só precisam ficar do seu lado, dizer que você sabe que não é bem assim mas que também não parece tão ruim, depois falar amenidades te distraindo e, por fim, te acompanhar no primeiro plano salva-vida que vier pela frente, nem que seja gastar a poupança do casamento que não aconteceu indo para Paris, finalmente.


Ouça: não pense que desgostei de Clarice de todo. Eu sorrio sempre que a ouço dizer que o próximo instante é o desconhecido, ela, que gosta tanto de ser profunda. Naquela época eu achava que Clarice queria também um guru respondendo se o próximo instante é feito por você ou se faz sozinho. Mas antes que eu falasse qualquer coisa ela logo concluía: “Fazemo-lo junto com a respiração.”


Mas Clarice tem uma coisa que ninguém mais no mundo tem, que é a liberdade ou o mais verdadeiro talento de fazer o melhor proveito possível do que há de mais insuportável na vida. Suas produções são essa liberdade. E quando lembro-me do Fernando (Sabino) dizendo que Clarice tinha avançado muito, saído pela janela, e que ele temia que ela avançasse demais e caísse do outro lado, fico achando que ele me diria o mesmo hoje. Porque estou na beirinha...e é isso que me faz voltar a escrever.


Mas quer saber um segredo? Mesmo sem desenhar um traço sequer, as palavras sempre estiveram todas aqui.

O Bavardage esteve guardado em algum lugar, sempre pronto a retornar.
E aqui estamos.

Agora será um longo caminho.