segunda-feira, 12 de abril de 2010

Clarice Lispector e eu

Clarice me aconselhava sempre a ficar de vez em quando sozinha, para não ser submergida. E dizia que até o amor excessivo dos outros poderia submergir uma pessoa. Sabe, antes eu era de acreditar nessas coisas que ela me dizia e seguia bonitinha. Achava que Clarice era avançada nas questões humanas, e que eu, que tinha muito (tudo) o que aprender, estava dando uma de esperta sugando dela as respostas para as minhas questões.


No começo eu achava lindo seguir Clarice. Depois tive raiva, porque não eram mais bons conselhos e, de segui-los por toda a vida, ficou difícil me desvencilhar deles. E quando a solidão veio, e ela vem mesmo, eu saí em retirada buscando as pessoas. Comecei pelas mais queridas, porque no meu vício de falar eu precisava de ouvintes e talvez até de alguém que me servisse de guru, respondendo ao que ouvia. Eu perguntava se era assim com a maioria, se as pessoas poderiam ser felizes depois de perder um grande amor, se pode ser possível encontrar alguém que complete você bem direitinho, enchendo a vida da mais pura paz.


Você sabe que uma coisa admirável nas pessoas queridas que servem de ouvintes-de-todo coração é que elas não precisam embarcar na sua fantasia boba. E não precisam mentir ou dizer que você será completa e muitíssimo feliz. Elas só precisam ficar do seu lado, dizer que você sabe que não é bem assim mas que também não parece tão ruim, depois falar amenidades te distraindo e, por fim, te acompanhar no primeiro plano salva-vida que vier pela frente, nem que seja gastar a poupança do casamento que não aconteceu indo para Paris, finalmente.


Ouça: não pense que desgostei de Clarice de todo. Eu sorrio sempre que a ouço dizer que o próximo instante é o desconhecido, ela, que gosta tanto de ser profunda. Naquela época eu achava que Clarice queria também um guru respondendo se o próximo instante é feito por você ou se faz sozinho. Mas antes que eu falasse qualquer coisa ela logo concluía: “Fazemo-lo junto com a respiração.”


Mas Clarice tem uma coisa que ninguém mais no mundo tem, que é a liberdade ou o mais verdadeiro talento de fazer o melhor proveito possível do que há de mais insuportável na vida. Suas produções são essa liberdade. E quando lembro-me do Fernando (Sabino) dizendo que Clarice tinha avançado muito, saído pela janela, e que ele temia que ela avançasse demais e caísse do outro lado, fico achando que ele me diria o mesmo hoje. Porque estou na beirinha...e é isso que me faz voltar a escrever.


Mas quer saber um segredo? Mesmo sem desenhar um traço sequer, as palavras sempre estiveram todas aqui.

4 comentários:

Natália disse...

É bom ler você novamente!

Daise disse...

E eu quero todas as palavras que estavam (estão) aí. :)

Beijão, minha querida.

daise disse...

E eu quero todas as palavras que estavam (estão) aí. :)

Beijão, minha querida.

Ângela disse...

Fernanda,
que parceria da pesada com a Clarice!
Nada como o tempo para curar feridas. Nada como a escrita para ajudar no lutos.
A vida, amiga, é luto, é luta, alegria, viagens e brigadeiros.
Ainda bem que o sol renasce e o desejo pode ser relançado.