terça-feira, 21 de abril de 2020

Os dias, as horas

Dias vêm, dias vão, por aqui tentamos manter alguma normalidade. A começar pelo café da manhã, nem tão cedo que nos tire o privilégio de decidir a hora de despertar e nem tão tarde que nos faça esquecer a diferença entre terças e sábados. Ele me lê duas ou três manchetes e, não sei como consegue, argumenta com início, meio e fim, citando algum filósofo coreano que me faz precisar do google ainda antes das oito. Eu escuto, aceno entre um gole e outro, mas só processo a informação no almoço, quando devolvo uma pergunta que em geral eu mesma respondo. Ontem reparei que o sol já bate diferente na varanda e agora atinge apenas uma parte da mesa, onde coloquei aquelas plantas que precisam de mais luz. Noto que uma delas deu sinais de que precisa ser acomodada em outro canto. Até perceber o que era, quase afoguei a coitada. Mas não afoguei. Se tem uma coisa que tenho feito bem é conhecer as plantas. Antes não vingava uma e agora até o lírio, que andava todo sensível, está imponente, folhas brilhosas. Poderia até inventar um segredo importante sobre como fazer viver as plantas, mas não sei exatamente o que dá certo. Uma única dica é que acrescente mais terra quando a terra baixar - que é na verdade uma dica que veio da minha avó quando fingiu que olhou a foto da plantinha que eu trouxe do seu quintal e que mostrei por estar orgulhosa de (também) tê-la mantido viva. Aproveito os minutos de sol na varanda para manter alguma saúde (e vitamina D) e é pensando também na saúde que garanto uns pulos e abdominais dia sim, dia não. Finais de semana são dias não, preciso confessar. 
 
Os contatos exteriores estão reduzidíssimos e se não fossem os intervalos em que reinventamos o trabalho, estaríamos mergulhados num mundo nosso. Nada mal, eu diria. Nosso mundo tem cheiro de pão e Belchior na vitrola. Em toda inevitável solidão, é bom que alguém nos acompanhe em certas preocupações. É um verdadeiro privilégio quando se tem alguém, não que diga que tudo vai ficar bem, mas que teme do mundo as coisas que você também entende como assustadoras e, claro, a quem não falte coragem. Nada será mais como era antes. No mundo que se desenha, é preciso mais do que nunca saber ao lado de quem caminhar. Faço um pequeno exercício de me fazer presente para os queridos, e empresto minha voz recitando um trecho de livro aqui, uma poesia ali, porque se tem algo que pode ajudar a ultrapassar as amarguras é o afeto.
 
Para você, nessas palavras.

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