terça-feira, 9 de maio de 2017

Do asco

E o que é que temos feito de nós?
 
Vou te contar sobre a podridão do mundo e seus cheiros, deixar surgir o asqueroso e vil, o inoportuno e nosso. Recitar estrofes dissonantes, com voz estridente e fazer ouvir o que nem quem a-quem-se-paga-para-ouvir quer: o submundo dos prazeres que doem. A carne fraca que não goza. O sujo, o limitado, o pouco. Pouco demais. 
 
Vamos falar sobre as manhãs de ressaca, não depois das noites festivas, mas do sono roubado pela angústia pura. Da taquicardia sem nome. Do indizível. Vamos ficar às voltas com ele por horas e horas. 
 
Se for possível, vamos confessar o inconfessável, o superegoico, o segredo das nossas humanidades. Se for possível, vamos também nos reconhecer nelas. Vamos nos encontrar inteiros na pequenez do dia a dia miúdo e inútil do outro, ocupado demais em existir e só. 
 
Vamos gritar essas coisas que ignoramos na ousadia de viver as nossas bobagens mais banais. Pensar na morte das flores quando arrancadas do chão para compor buquês. Pensar na injustiça, nas prisões (que são dentro da gente), na sujeira por debaixo dos pés. 
 
Falar disso. Para não precisar mais.

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