domingo, 15 de novembro de 2015

Escutador

Levo você na garupa, mas tem que ser depressa e você tem que vir inteira. Humana, discordante, bela, rastejando feito bicho, se quiser. Só se quiser - não sou de forçar. Quem decide me acompanhar deve saber que eu nada sei, e por isso me agarro às palavras para ter o que honrar. Nunca duvido das palavras. Mas não é qualquer palavra...é aquela que você não quer bem dizer, até acha que não, mas diz. Não há no mundo coisa mais importante do que a palavra dita. É um perigo. E Barthes já escancarou a fatalidade disso. Não é possível retomar o que foi dito, a não ser que se aumente: corrigir é, nesse caso, estranhamente, acrescentar. Ao falar, não posso usar borracha, apagar, anular; tudo que posso dizer é ‘anulo, apago, retifico’, ou seja, falar mais. Esses foram os rumores que ouvi. Tenho essa mania, de ouvir. Ouvir, assim como falar, é irreversível. E a escuta marcou um mim um traço, também incorrigível, de melancolia. Criei, não sei pra quê, um mecanismo composto por três etapas: ouvi/sei/não precisava ter ouvido tanto. Sou um escutador. Escuta-dor. E, como resposta a esse mecanismo, porque os ouvidos não são tapáveis, os meus trataram de adoecer. Eles se fecham quando bem entendem, mostram-se sob pressão, tiram o meu bom humor. Sinalizam que estou passando dos limites. O amor, Carla, depende de ser um pouco cego. No meu caso, surdo. Depois do encantamento é que podemos descobrir parte por parte e continuar amando o que sobra de nós. No bem-me-quer, mal-me-quer, a margarida está inteira e arrancamos, pétala por pétala, sem saber o final. Não há encantamento possível quando o vaso está vazio, as flores caídas.
O que estou tentando dizer é que, primeiro, tem-se a fome e a ideia de croissant. Diante do croissant, come-se primeiro com os olhos. É do que depende a primeira mordida. Sem ideia de croissant, é como ter sede sem ser de água. Não é sede.
Ainda bem, Carla, que os sentidos são cinco. O croissant que você escolheu para nós está com um cheiro ótimo. Passa o garfo pra cá.

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