domingo, 15 de novembro de 2015

Em compensação

Pensava naquele olhar de reprovação, a palavra que saiu errada, o segredo que não era pra contar, a opinião sem domínio de causa. A guerra. A lama matando a gente, a sena que acumulou, a topada na quina do armário, o amigo que nunca foi, a propaganda do Spotify, a grana curta, essa mesquinhez. Os ódios. Taquicardia logo ao acordar, esse medo, agonia. Barriga de chopp, intolerância, briga de casal, fim de amor, câncer. A dor do outro, a impotência, a violência. Os adiamentos. As antecipações. Gente fingindo prazer, gente que não quer viver, conversa sem fim. O imposto desnecessário, aquele mal entendido, a infestação de formigas da minha cozinha. O cano entupido, a banda que se desfez, café frio, a língua queimada, unha quebrada, roupa nova rasgada, dizer não pra alguém. A morte. A falta de sorte. A neurose.
Em compensação, o pensamento foi pegando estrada e vendo o sol se pondo entre as árvores. Brisa de verão, picolé de limão, macarronada de domingo. Olhos que se cruzam ao som de Vinícius de Moraes, o homem que diz tô (e está), gente que não freia o desejo por bobagem. Os perigos. Piadas entre amigos, indecências na madrugada, arrepio de constatação. Problemas ficando pequenos, dinheiro achado na rua, risada incontida, abraço apertado, suor na praia. Mergulho no mar, saber boiar. Prato chegando na mesa, copo cheio, o podrão da esquina depois da festa. Romances do passado ficando lá. Massagem nos pés. Bom humor matinal, queijo quente, ovomaltine, gelo na tônica. Bolo saindo do forno. Roberto Carlos falando de você, viagem de fim de ano, acordar sem ressaca. Pedalar com céu azul, sombra de coqueiro, telefonema inesperado. Chet Baker no carro. Annie Hall ainda no início, ser lembrada diante de um Klimt. Carta sendo entregue, encomenda no prazo, acordar na hora certa sem despertador. Carinho nas costas, dedos entrelaçados, cachorro abanando o rabo. Lembrar da música que não toca mais. Andar de chinelo, deitar na areia, morangos com leite condensado. Amor correspondido. Tempo livre. Ter um ouvinte. Não precisar falar.
Acordei achando a troca justa. Let’s try.

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