domingo, 17 de dezembro de 2017

Oh, díos

Começando bem cedo, odeio que o telefone vibre no criado mudo enquanto o alarme toca e me desperte no susto. Iniciar o dia no susto é, na realidade, o que mais odeio. Odeio um bilhete de chefe colado na porta, precisando muito falar. Nunca se sabe o que vem. Pior ainda é flagrar o cozinheiro sendo negligente com a higiene - e ter fome. Arrisco, mas odeio. Odeio essas defesas, que mais expõem do que tudo. E repetir, repetir. Odeio não compreender o que o guri fala, mesmo ele se esforçando tanto para dizer. Só não odeio mais do que ver a menina mordendo as próprias mãos até que sangrem e eu não conseguindo acalmá-la. Odeio fantasiar por não ter coisa melhor. E ter ressaca no domingo, perdendo o dia de sol. Odeio nunca me lembrar o nome do porteiro (e que ele saiba tanto) e odeio as demoras. Todas.
Odeio o ato falho que atrapalha o disfarce todo. (Ouvir é irreversível). O constrangimento tomando conta e não tendo jeito. O 3G falhando no meio de uma música urgente, as mensagens de voz que não carregam, enviar e me arrepender e não poder voltar atrás. Odeio. Almoço desmarcado em cima da hora e eu não ter feito as compras da semana. Os panfletos colocados no para-brisa e a chuva colando tudo no vidro. O carro da frente jogando lixo pela janela, senhores idosos atravessando fora da faixa de pedestre. Odeio a agonia que dá, ver os senhores idosos tentando correr e não conseguindo e o carro vindo, o carro vindo.
Oh, Díos, os ódios.
Essa dor no pescoço que não passa e a cabeça que não para, odeio, mais do que acordar no susto, mais do que acordar no frio e ter que levantar, mais do que a água do chuveiro demorar para esquentar. Um pouco menos do que quando preciso dizer algo muito muito importante, um posicionamento firme, decisivo, momento crucial, e gaguejo.

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