segunda-feira, 27 de junho de 2016

Convite

Vamos falar de coisa boa, Rodrigo Santoro descabelado, biscoitos artesanais vindos do sul, meia grossa pra dormir em dias frios. Vamos falar de coisa boa, lembrar que tem sorvete de passas ao rum no congelador, o feijão de ontem já temperado, sopa pronta na casa da mãe. Vamos falar de coisa boa, uma criança te abraçando as pernas no susto, puro afeto, mensagem no meio do dia só por ser lembrada, livro com dedicatória que ainda vale. Vamos falar de coisa boa, as almofadas novas no sofá, o edredom com cheiro de memória, saber o que fazer, o tapete peludinho deixando a sala mais quente. Vamos falar de coisa boa, René Magritte confundindo a gente, trecho do seu livro preferido citado onde menos se espera, conhecer alguém legal por acaso. Vamos mesmo falar de coisa boa, é um convite, encontrar a tarraxa do brinco perdida no cantinho da fronha, ter a cama todinha pra você ou, ao contrário, dormir encaixado em alguém. E, por falar em fronha, lençóis recém-lavados, ainda frescos. Vamos falar dos lençóis e seus cheiros. Vamos falar de coisa boa. Aquela carbonara que sua irmã fez no domingo, e acertou em cheio, e ainda tinha o resto do sorvete de passas ao rum!
Vamos falar só das coisas boas, Annie Hall e suas gírias, Marlon Brando sendo Marlon Brando, filme de terror quando acaba e não dá medo. Coisa boa, a chuva deixando o mar mais verde, café aquecendo a gente, um trabalho novo que te ensina coisas, surpreender-se com as pessoas pro bem, um amigo lembrando de uma viagem que fizeram juntos, a piada de sempre, abraço de saudade. Essas coisas boas e, entre outras, poder se deitar quando está muito cansada, comer com calma, passar o dia de pijama. Esperar o dia do aniversário, cerveja com torresmo no Bar do João, aquelas bobagens que a gente diz. E também algumas bobagens que a gente faz mas que não dão vergonha depois. Rir de si.
Falar dessas coisas e da moça da garupa que continuou agarrada forte no motorista da motocicleta mesmo quando parados no sinal - não era medo. E o pai limpando a boca do filho que não mexia as mãos. Eles todos se olhando. Sorriso de bom dia, sem palavra nenhuma, ter silêncio de manhã, ligar na Tribuna e ouvir Quereres. Sair para fazer as unhas e ganhar uma massagem nos pés, no meio do dia, com esfoliação e tudo. Escolher ao acaso no Netflix e gostar do filme, acertar o diretor só pela fotografia, ou pela trilha sonora, e, por falar em trilha sonora, rever Amélie Poulain again and again, sem medo de parecer boba.
Vamos falar dessas coisas

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