segunda-feira, 5 de outubro de 2015

o canto do curió

Como num despertar, abri os ouvidos para o canto dos pássaros. Poderia ter descoberto há anos, mas só depois foi possível saber que os curiós são valiosos porque podem reproduzir uma sequência com até vinte e oito notas. O que os diferencia entre si é o tipo de sequência e o número de repetições de que são capazes. Seu canto é ensinado pelo homem e ele canta enquanto houver luz. Vive assim. Vive  vinte, trinta anos assim. Entre agosto e dezembro estão em seu auge hormonal e, portanto, lírico. Cantam para seduzir, mas cantam sobretudo para enfrentar outros machos e demarcar território. Cantam, no amor e na guerra. Um torneio começa com dezenas de pássaros em círculo, visíveis uns pelos outros, enfrentando-se com fúria e repetições incansáveis, excluindo da roda e da competição os pássaros que interrompem seus cantos, seja por fadiga vocal, seja por uma pausa distraída. O cantor determinado que piar até o fim torna-se campeão, torna-se cobiçado por colecionadores (não por fêmeas), torna-se caro. Os mais temperamentais, apesar de treinados podem frustrar bastante o seu dono. Acuados pela cantoria alheia ou simplesmente pouco entusiasmados pelo território ou pela fêmea que não conquistarão, recusam-se a cantar. Retornarão no ano seguinte meio desenganados ou serão vendidos por um preço de banana para alguém que talvez goste deles também em silêncio. 

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