segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Só o precinecessário

Se não escrevi antes foi porque não achei justo endereçar a você as minhas agonias, fazer você ter que lidar com elas, reler minhas frases quase sem sentido, supor sensações novas, reconhecer antigas, dar resposta ao que eu sei que não tem resposta. E não precisa ter. Vamos combinar assim: faremos disso um monólogo e seremos espectadoras de nós, como na verdade é a única possibilidade. Você me diz da sua vontade de ser outra, e eu nada posso fazer par ajudá-la a não ser dizer que seja. Que acorde promíscua um dia e dê telefonemas tanto-faz-para-quem. Que sinta, às 10h30, uma vontade súbita de rezar, entre na primeira igreja que cruzar o seu caminho e faça promessas de nunca-mais-todas-as-coisas. Que decida, antes de dormir, chorar mais e sem pudor. E acorde achando bobagem demais. 
 
A essa altura você já sabe que tu não te moves de ti, não importa o que faça. Mas não, não fique triste! Do mesmo lugar é possível esticar os braços e parecer mais alta. Abrir os braços, oferecer um abraço. Agachar e se esconder. Do mesmo lugar é possível gritar forte e fazer-se ouvir. É possível, juro. Sem mover nem um pé do chão, é possível retocar o batom e descer o decote. É possível fazer coisas. Sem mover-se um centímetro sequer, é possível ofender alguém. E, entre tantas outras coisas, é possível amar. Amar bastante. Amar até demais. Sendo você mesma, é muito possível se reinventar.
 
Mas antes, é precinecessário que se perdoe. Perdoe suas manias irritantes, sua dificuldade de fazer contas, sua impaciência com os mais jovens, sua intolerância com outros gêneros musicais, seus furos. Deixe para lá o rigor, perdoe se o mau humor dominar a manhã. Acontece. Perdoe suas coisinhas, é muito importante que perdoe suas coisinhas. Não deixe de perdoar também essas ideias que você tem de infinito, de profundezas dos átomos e de partículas subatômicas. Você não precisa de nada disso. Deixe para os físicos, tem razão. 
 
Pensar, mesmo no infinito, não te leva muito longe e ainda te distancia do que precisa ser visto e está perto, ao alcance dos olhos: as castanheiras estão fazendo muda e para andar nas calçadas é preciso mergulhar os pés nas folhas. É preciso mergulhar sem medo de bichos e buracos, para atravessar as castanheiras. E logo mais estão os ipês, que me lembram a páscoa e estamos em agosto. Ao alcance das mãos está minha sobrinha, soluçando, e ainda nem nasceu. Ao seu lado, picaria se fosse cobra, a vida acontecendo, a gente querendo, querendo, não cansando de querer. 
 
Preste atenção. É preciso estar parado para ver bem.

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