segunda-feira, 9 de maio de 2016

Little daisies

Comigo começa quase sempre com uma taquicardia logo ao acordar, e é possível prever que não demora muito até surgir uma frase pronta, insistente. A última, porque planejei ir à feira ainda cedo, me lembrava Mrs. Dalloway, que decidiu que ela mesma compraria as flores e foi. Comprou little daisies - nome mais sonoro não há . Às vezes passo dias assim, reparando melhor nas coisas, nos sons que escuto de dentro do meu apartamento, nos gestos das pessoas que passam por mim. Uma quase-ternura, um suspiro. Ontem vi um bebê se mexer dentro do ventre de sua mãe, enquanto ainda é mais ideia do que gente, e os sorrisos antecipando a sua chegada. Hoje, ainda nada. Crise na Grécia preocupando a Europa e eu aqui, ainda me importando muito pouco com isso. O porteiro do meu prédio improvisou um vaso de flores artificiais para enfeitar o hall e ninguém gostou, mas também não se recusa uma boa iniciativa. Não sei se discretamente alguma coisa acontecerá ao vaso na mudança de turno. (Acompanhemos). Outro dia, um guri atravessava a rua pendurado em seus pais pelos braços, um de cada lado. Achei graça daquelas perninhas encolhidas descobrindo um balanço novo, achei graça dos pais, que não participavam da brincadeira porque discutiam um assunto importante ou por já estarem habituados a ela ou então pelo cansaço nos braços ou ainda por estarem preocupados com o próprio atravessar, achando que se o menino caminhasse poderiam andar mais ligeiro de uma ponta a outra. E nessas horas a escrita vem, é inevitável. Invento uma palavra nova e o guri torna-se balançante, invento enredos e suponho a vida acontecendo, o porteiro amanhecendo num dia bom e orgulhoso de seu gesto, a risada dos vizinhos sendo boas novas, trazidas pela visita surpresa que tirou os sapatos para entrar na sala e está ali, com as pernas cruzadas no sofá, esperando pelo café.
Escrever não muda nada e, no entanto, muda tudo.
(Você entendeu.)

2 comentários:

Daise disse...

Pô, meus comentários pelo celular não estão funcionando. É o segundo blog que eu comento pelo celular e o comentário não vem. Eu comentei assim que o post saiu. :(

Meu comentário foi: o porteiro merecia ter flores de verdade. <3

Fernanda disse...

Verdade verdadeira!