quarta-feira, 6 de abril de 2016

P. me disse que devo aceitar, de uma vez por todas, de uma-vez-por-to-das (e separou as sílabas para que não ficasse dúvida), que jamais compreenderei tudo. Ele não diz isso à toa. Há anos acompanha essa minha saga de tentar racionalizar pra ser menos sofrido. Pergunte se depois de racionalizar fica tudo bem? Fica nada. Depois de racionalizar eu passo a querer o peito cheio de emoções indescritíveis e isso não acaba nunca. É difícil ser eu. Uma complicação. Você vai dizer que se lembra também de Clarice e de que viver ultrapassa todo entendimento - essa senhora detestável. Eu sei que ultrapassa. E vivo. Mas explique o coração saltitante, irritantemente saltitante, aceleradamente saltitante, um sambista!, sem saber bem a razão. (Viu? Lá vou eu de novo.)
São sete e trinta da manhã e quando acordei a casa cheirava a café. Meu vizinho, como de costume, falava ao telefone encostado na janela e parecia preocupado. Antes mesmo de abrir os olhos, tive uns três ou quatro pensamentos sobre o sonho que precedeu meu despertar e, enquanto me esquecia dele convenientemente, fui tendo aos poucos consciência das coisas. Primeiro onde estava, depois o reconhecer do aroma quente que invadia o quarto, os acontecimentos do dia anterior, a conversa desconexa no fim da noite e essa taquicardia - que tem sido bastante inoportuna.
A questão é que P. me diz essas coisas mas não é tão didático com a segunda parte, que é a de contar o segredo de viver um dia e depois o outro, mais outro, e, calmamente, não se importar. E como faz pra aceitar essas inquietações e não tomá-las como inquietações, mas como um desagrado banal, um mau humor hormonal, fome: essas coisas que todo mundo tem.
O que é que é que te agita o peito, hein?
E se só viver não for tudo?

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